
Bom Ano!

RinoBlog Update

"Trinta euros, foi o que lhe contaram? A um casal de brasileiros, da Baixa ao aeroporto? Isso não é nada... Quando andavam cá os americanos eram oitenta, às vezes cem euros. Da Praça do Comércio até Belém, cem euros! E era o que aparecia no taxímetro e tudo... Como? Então, há aceleradores aqui para o taxímetro, não sabia?" Um negócio que correu mal, um restaurante que faliu, um emprego que não aparece, os motivos são vários e não poucas vezes misteriosos. "Oh amigo, se eu lhe contasse... isto a vida dá muitas voltas..." Ser taxista nunca é uma vocação. Foi sempre o destino que os colocou ali, uma mão invisível que parece persegui-los ainda, enquanto aceleram pelas ruas estreitas de Lisboa. "Tropa? O seu colega aí atrás é tropa? Também já fui tropa, sabe? Vi cada coisa que você nem queira saber... Olhe, por causa disso é que agora sou taxista. Nem costumo falar disso." Nem sempre é fácil fazer um taxista falar. Mas até os mais novos têm histórias para contar, mesmo tendo começado há pouco tempo. "Eh pá, e eu então já andava desempregado há meses, o cota tinha lá o táxi e eu prontos... comecei a fazer o dia. Também já andei de noite, mas uma vez no aeroporto apontaram-me uma pistola e eu tá quieto... vim-me logo embora, tás a ver?" Os que andam nisto há mais tempo acabam por ganhar outras rotinas, outras vidas também... "Olhe, tenho só de fazer aqui um telefonema, vou ter de mentir um bocadinho, pode ser? «Tou, querida? Sou eu. Não... afinal vou chegar mais tarde. Tenho aqui um cliente para Vila Franca, coisa para vinte, trinta minutos, ok?» Já está. Desculpe lá, sabe o que é, tenho ali uma cliente habitual que sai agora às três do Elefante, eu costumo levá-la sempre, está a ver... Deixo-o onde, ali ao pé do mercado?" Às vezes são demasiado curtas, as viagens. "Vai apanhar o avião para onde? Amsterdão? Tenho lá uma filha, sabe? Andei lá nas obras, mas como não tinha os papéis, apanharam-me e mandaram-me embora. Deixei lá a rapariga grávida, uma holandesa lindíssima, loura, de olho azul. Nunca mais pude voltar. Recebi uma carta uma vez, mas depois mais nada... Foi há vinte e seis anos, isto... Ora cá estamos. Deixo-o aqui nas Partidas?"










Estendeu-me um pacote de Wanner, umas wafers com creme de noz, fabricadas em Viena desde 1898. Recusei, ele voltou a insistir. "Für sie, kollege! Das ist für sie!". Agradeci, pegando finalmente nas Wanner. "Alles gut! Auf wiedersehen...", despediu-se e foi para dentro de casa, satisfeito por ter cumprido a sua missão. Não lhe perguntei há quantos anos ele estava ali à espera, com as Wanner dentro do bolso, de alguém que em tempos deve ter sido parecido comigo...




"- Eh pá, já só me falta ver o Ray, depois tenho de esperar até quinta-feira...

"Esqueci-me! Esqueci-me da máquina fotográfica! Eihh..." Alfama, a caminho de uma tasca, que o homem fez anos. "Como assim, também te esqueceste? Mas ninguém trouxe uma máquina fotográfica?" Não. Vinte pessoas, entre as quais quatro bloggers e ninguém se tinha lembrado. O único que tinha a casa ali ao cimo da rua teima em tirar fotografias com o telemóvel, é uma complicação para as tirar de lá. "Bom... não faz mal, uso uma antiga para o blog." Um post sem fotos não é a mesma coisa, e aquele eléctrico passa ali todas as noites. Puro acaso, não ter sido tirada ontem, só porque ninguém tinha uma máquina à mão. Ou quase... "Bem... eu trouxe a Holga...". A Holga podia perfeitamente ter sido vendida pelo indiano das flores que apareceu a meio do jantar, ou comprada numa loja dos trezentos. Era tão leve que parecia um brinquedo, uma máquina a fingir. "Mas isto funciona? Onde é que eu carrego para tirar uma foto?" Carrega-se num pequeno botão, ao lado da objectiva, o ruído é quase imperceptível. Depois tem de se rodar o filme com muito cuidado, que ele não pára sozinho. É preciso olhar para uns números pretos numa fita encarnada para perceber quando está pronta a disparar outra vez. "Quanto é que tu deste por isto? Mas tu és doido?" É. "Mandei vir pela net. Vinte e cinco euros." Fico seriamente preocupado quando vejo amigos meus a percorrerem o caminho da loucura, da completa insanidade mental. Preparava-me para lhe bater com a máquina na cabeça, ou em alternativa vender-lhe uma data de inutilidades que tenho lá em casa, quando ouço o aniversariante do outro lado da mesa. "Eh pá, teve azar, o gajo. Essas máquinas são feitas à mão, mas a dele saiu bem, é estanque..." Estou definitivamente rodeado de loucos. "Ahn?" Era verdade. A Holga, ao que parece, é feita pelos mesmos tipos que vendem a Lomo. É feita à mão, em material de fraca qualidade e acaba quase sempre por sair defeituosa. Basta uma folga, ou uma pequena abertura, e a luz entra na câmara que devia ser estanque, manchando o filme fotográfico e criando efeitos de luz estranhos na fotografia. Um sucesso, que o resultado é único para cada máquina. Menos aquela. Aquela saiu perfeita. "Deixa ver se eu percebo. Deste cinco contos por uma máquina de plástico e estás chateado porque ela funciona bem?". "Sim..." Não me ocorreu na altura, mas apercebo-me agora que se lhe tivesse batido com a máquina na cabeça, ele se calhar ficava com o problema resolvido...