Wednesday, December 28, 2005

É que é já a seguir...

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(post-it deixado por um dos vizinhos na porta da minha casa, algures entre as onze da manhã e a meia-noite...)

Tuesday, December 27, 2005

O abalroamento

"Não ficaste com medo de andar de carro?", perguntam-me, uma semana depois de ter sido abalroado por um Renault Mégane preto que capotou após o embate, mandou o semáforo que estava vermelho para o Eixo Norte-Sul e foi ainda bater noutro carro que atravessava o cruzamento à minha frente. Estava parado no semáforo, eu. Ninguém ficou ferido, no meio da sucata em que se transformaram os carros. Entre os vidros partidos, à procura dos telemóveis no chão atrás do banco, encontro uma moeda de vinte escudos, de 1986. Deve ter andado perdida durante anos, presa num qualquer recanto do carro até hoje, até o embate a ter libertado. Medo de andar de carro, eu? Eu fiquei foi com medo de estar com o carro parado...

Monday, December 12, 2005

O Echelon deve andar atarefado...

"Por motivos de segurança não é possível enviar mais do que uma mensagem num espaço de 30 segundos. Por favor, tente mais tarde", diz-me o webmail do Clix. Não precisam de perder muito tempo a analisar a mensagem, rapazes. O que estamos a combinar para dia 28 é apenas um jantar. E sim, somos todos físicos, mas nunca construímos bombas atómicas para países terroristas ou algo do género...

Friday, December 09, 2005

RinoBlog Update

    Segunda-feira, 18h05. Dez minutos depois de ter sido vendido o último bilhete de sócios cativos, um elemento dos No Name Boys (perfeitamente identificado pelo cachecol, blusão e tatuagem na mão esquerda) tenta ainda oferecer-me uma última oportunidade. "Chavalo, queres bilhete? Sessenta biscas, ficas ali connosco, ao pé do relvado... Olha que vamos despachar os bifes!" Satisfeito por ter sido recrutado pela claque, sinal evidente que era capaz de aguentar umas quantas cargas policiais e acalmar uns dois ou três ingleses mais agitados, ainda assim recusei. Mas tinha razão, ele... ganhámos mesmo!

    Ontem à noite. RyanAir, GermanWings, FlyMonarch, EasyJet, FinnAir... Isto está complicado, ... Podemos ter bilhetes para ir para lá em 2005, mas o regresso de Estocolmo em 2006 não está garantido...

    Hoje de manhã. Parece que a situação de carácter mais urgente no prédio é a substituição dos vasos com plantas na entrada. Estão a ficar "esbatidos e sem graça", o que é grave, claro. Depois de uma inundação, de tentativas de assassinato com amoníaco, vários electricistas e bruxarias depois... isto começa finalmente a acalmar.

    Friday, November 25, 2005

    The Thanksgiving Dinner

    "So there are many versions of the story, right? But this is my favorite one... So the legend says, when the first pilgrims arrived in America, they almost starved to death, man! 'Cause they didn't know how to plant their crops in the new soil, everything was different now. And it was the indians... the native americans, they were the ones that taught them how to plant indian corn and stuff. So the first harvest after that, they had loads of food, man! They were so happy they called all the indian tribes and made a big dinner to give thanks to them, right? And that was the first Thanksgiving!
    Then the next year, they probably killed them all native americans...
    " - J.

    Um peru com mais de 8 kg que esteve no forno desde as dez da manhã, stuffing, indian corn, pumpkin pie... A maior parte dos ingredientes vieram directamente dos States, trouxe-os a mãe de J. Uma maravilha. "It's thanksgiving, man!"

    Saturday, November 05, 2005

    A guerra química

    "The wind was favourable and we discharged a very poisonous gas, a mixture of chlorine and phosgene, against the enemy lines... Not a single shot was fired... The attack as a complete success." - Otto Hahn, reporting from the Eastern Front in mid June 1915

    O alarme soou ontem pouco passava das oito da noite. Era a campaínha da minha porta, que tocava sem parar. Do lado de fora, muito vermelhos e ofegantes, um casal de vizinhos com ar assustado esperava-me, a senhora mal conseguia respirar. "Querem-me matar! Ai, que me falta o ar! Eu morro, eu qualquer dia apareço morta!" Traziam com eles um cheiro estranho, pareceu-me amoníaco, ou um diluente qualquer. "Venha ver, venha! Fica aí, mulher, enquanto eu desço com o senhor administrador. Venha, venha..." O cheiro ia ficando mais forte à medida que o elevador descia. Parámos no primeiro andar. "Não respire, não respire que isto é um veneno!" Abro a porta do elevador e sinto logo o efeito. Ardem-me as olhos, o cheiro a amoníaco é intenso, talvez seja algo mais forte ainda. "Se calhar andam a exagerar na limpeza das escadas..." A vizinha do andar de cima aparece entretanto, com um lenço a cobrir-lhe a cara. "Não é limpeza, isto não é da limpeza! É bruxaria! Querem-nos matar! Olhe, veja aqui!" Espalhadas pelo chão, pequenas gotas que parecem ser de água acumulam-se perto das portas, começam a descer as escadas e desaparecem depois subitamente. "Isto é de propósito! Já não é a primeira vez! E eu sei bem quem é!" Sabe, mas não diz. Não é preciso. Só ali estava a facção A do prédio, especialistas em contra-informação e guerrilha de má-língua. A facção B é a única com capacidade de produzir armas químicas, é de uma delas o cabeleireiro do prédio. Digo-lhes que vou tratar do assunto, e todos voltam para casa. A próxima reunião de condomínio vai ter como ponto único a aceitação da Convenção de Hague...

    Friday, October 28, 2005

    A gripe das aves

    Benfica, nove da noite, ainda à procura de um supermercado ou loja de conveniência que estivesse aberto àquela hora, que tinha ficado de levar cerveja para um jantar onde ia chegar atrasado de qualquer maneira. Não se vê quase ninguém na rua. Quem passeia por ali a estas horas normalmente escolhe um cão por companhia, para evitar outras mais desagradáveis. Com a pressa, acabo por assustar o animal, que aparece ao virar da esquina com o dono logo atrás. "Quieto, Simão... quieto!" Fico parado, à espera. O Simão olha para mim de lado enquanto baixa a cabeça, está a avaliar a ameaça. "Quieto, Simão..." repete o dono enquando lhe afaga as penas da cabeça. Pendurado na mão do dono (que segura ao mesmo tempo o guarda-chuva), Simão, o papagaio, resolve não me atacar. Talvez espirrasse, não sei. Continuo o meu caminho, eles fazem o mesmo. Nos tempos que correm ninguém se mete com um homem que anda com um papagaio na rua...

    Sunday, October 23, 2005

    Clarice had a little Halloween...


    A edição deste mês da Clarice está um luxo! Vampiros, bruxas, zombies, lobisomens, possessões demoníacas, está lá tudo. A não perder, grátis com o Especial Halloween, o Dicionário de Criaturas Fantásticas... E no dia 31 há festa n'A Barraca!

    Sunday, October 16, 2005

    O primeiro aniversário


    Foi na sexta-feira e houve festa rija, claro, com direito a bolo de aniversário e exposição de fotografias. Muitas fotografias. Um ano inteiro de festas, convívio e amizade em exposição. Parabéns, Cinema Paraíso!

    Tuesday, October 11, 2005

    Vicente, o furacão

    É isto, a globalização. Depois da vaga de frio polar que nos assolou no início do ano temos agora finalmente direito a um "furacão". O nosso Vicente, que o National Hurricane Center of Miami insiste em chamar Vince, já foi despromovido a "tempestade tropical", é certo, mas ainda assim mantém uns respeitosos "998 hPa de pressão no seu centro e uma velocidade aproximada de 37 km/h". Protegido que estou dentro do laboratório, ainda assim tenho de fechar as cortinas, que o sol bate forte e faz reflexo no ecrã. Mas este nosso clima tropical instável não é de confiança, como bem sabem os senhores do Instituto de Meteorologia que já devem ir na terceira ou quarta ameaça frustrada de ventos ciclónicos e chuvas torrenciais nos últimos dois anos. De resto, só mais logo, nos telejornais, nos vamos aperceber da situação de caos que se viveu em todo o país, por causa do nosso "furacão". Sim, que isto ainda hoje devem cair uns aguaceiros. Coisa estranhíssima, de resto, para o mês de Outubro...

    Sunday, September 25, 2005

    Os taxistas

    "Trinta euros, foi o que lhe contaram? A um casal de brasileiros, da Baixa ao aeroporto? Isso não é nada... Quando andavam cá os americanos eram oitenta, às vezes cem euros. Da Praça do Comércio até Belém, cem euros! E era o que aparecia no taxímetro e tudo... Como? Então, há aceleradores aqui para o taxímetro, não sabia?" Um negócio que correu mal, um restaurante que faliu, um emprego que não aparece, os motivos são vários e não poucas vezes misteriosos. "Oh amigo, se eu lhe contasse... isto a vida dá muitas voltas..." Ser taxista nunca é uma vocação. Foi sempre o destino que os colocou ali, uma mão invisível que parece persegui-los ainda, enquanto aceleram pelas ruas estreitas de Lisboa. "Tropa? O seu colega aí atrás é tropa? Também já fui tropa, sabe? Vi cada coisa que você nem queira saber... Olhe, por causa disso é que agora sou taxista. Nem costumo falar disso." Nem sempre é fácil fazer um taxista falar. Mas até os mais novos têm histórias para contar, mesmo tendo começado há pouco tempo. "Eh pá, e eu então já andava desempregado há meses, o cota tinha lá o táxi e eu prontos... comecei a fazer o dia. Também já andei de noite, mas uma vez no aeroporto apontaram-me uma pistola e eu tá quieto... vim-me logo embora, tás a ver?" Os que andam nisto há mais tempo acabam por ganhar outras rotinas, outras vidas também... "Olhe, tenho só de fazer aqui um telefonema, vou ter de mentir um bocadinho, pode ser? «Tou, querida? Sou eu. Não... afinal vou chegar mais tarde. Tenho aqui um cliente para Vila Franca, coisa para vinte, trinta minutos, ok?» Já está. Desculpe lá, sabe o que é, tenho ali uma cliente habitual que sai agora às três do Elefante, eu costumo levá-la sempre, está a ver... Deixo-o onde, ali ao pé do mercado?" Às vezes são demasiado curtas, as viagens. "Vai apanhar o avião para onde? Amsterdão? Tenho lá uma filha, sabe? Andei lá nas obras, mas como não tinha os papéis, apanharam-me e mandaram-me embora. Deixei lá a rapariga grávida, uma holandesa lindíssima, loura, de olho azul. Nunca mais pude voltar. Recebi uma carta uma vez, mas depois mais nada... Foi há vinte e seis anos, isto... Ora cá estamos. Deixo-o aqui nas Partidas?"

    Friday, September 23, 2005





    "Haber envejecido en tantos espejos..." (Borges, Elegía, 1963)

    Sagres. Leiria. As passagens de ano, os aniversários. 2002. 2001. 1997. O carnaval deste ano. O carnaval dos últimos quatro anos. O Arts. São mais de quinhentas, as fotografias. Algumas já tinha, outras vejo agora pela primeira vez. Estavam no computador de um amigo e couberam todas num CD. Trouxe-as comigo para Lisboa...



    A caminho de Gondramaz (Serra da Lousã) em 1996. "Podemos tirar uma fotografia a si e às ovelhas?" Podemos. Um assobio e o cão junta-as todas atrás de nós. Chama também a mulher, que andava a apanhar lenha. "É para a SIC?" Era como se fosse. Não costumam passar estranhos por aquela estrada, nunca ninguém quis fotografar as ovelhas. Tira o chapéu e chega-se mais para o lado da mulher, muito direitos os dois, que a ocasião é solene. "Mas são jornalistas, não é? Quando sai a foto?"
    Saiu hoje. Oito anos depois...

    Saturday, September 17, 2005

    The Birthday Party [part two]


    [click to enlarge]


    É mais logo, no Cinema Paraíso, em Leiria, e só vai acabar quando aparecerem uns senhores fardados de azul a dizer que "não senhor, não pode ser, já passa da hora, têm mesmo de fechar..."
    No som estará o Dijai Red, que fez também o cartaz para a festa (obrigado pá!) e que deve estar nesta altura à procura de cd's para levar. O Otto sou eu, pois...

    Friday, September 09, 2005

    The strangest thing...

    "The film opens and closes with a voice stating from a speaker "Dick Laurent is dead". We won't ever know more about it...
    It happened to me in real life. One day, in the morning, someone rang on my door and said "Dick Laurent is dead." I didn't see him, I've never found out who did say this message. I don't know any Dick Laurent. A mistake, maybe, but this occurrence obsessed me for a long time..."
    [David Lynch's Lost Highway interview for italian movie magazine Ciak, April 1997]

    "- Ó shor administrador, chegou ali uma coisa estranha no correio... Só pode ser para si..."
    A coisa estranha estava em exposição em cima do frigorífico, encostada a uns tupperwares e caixas de gelado Carte d'Or vazias. Uma pequena folha de papel com a fotografia do Rui Costa com o equipamento do Milan colada no canto inferior direito (tirada da revista Maria), um recorte de um jornal do Lidl agrafado na parte de cima, a apregoar "Mais barato!", e escrito em maiúsculas, mais ou menos a meio e com uma caneta preta, os dizeres "chulo bosta". Do outro lado, uns rabiscos com a mesma caneta preta e umas linhas azuis do que parece ser um EEG, ou o registo de um sismógrafo qualquer...
    "- Isto estava na nossa caixa de correio...
    - Ah pois... pá, se calhar é de um dos vizinhos... não deve estar contente com o shor administrador... isto ainda deu trabalho... o que é que vais fazer com isso?
    - Vai já para o blog, claro... Faço como o David Lynch, que cada vez que lhe acontecia algo de estranho, ele metia isso num filme. Sempre eram mais pessoas depois a tentar perceber o que era aquilo..."

    Friday, September 02, 2005

    entretanto, do paralelo 33º...


    ...pelo correio chegou uma polaroid e novas de achamento de uma ilha povoada de belezas naturais e abundante em outras coisas mais...
    Aí irei um dia, jMAC. Prometo!
    [Porto Santo, Agosto 2005 - polaroid de jMAC]

    Thursday, August 18, 2005

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    Chama-se Klemens, já foi um barco rebocador. Encalhou ali mesmo, na "Pedra do Patacho", a 11 de Dezembro de 1996. Alguém lhe pegou fogo em 1999 e se foi uma tentativa para o tirar dali, terá sido a única. Parece que em 2003 adquiriu o estatuto de "resíduo sólido urbano"... com vinte metros de comprimento e várias toneladas de peso. Nós encontrámo-lo por acaso, enquanto descobríamos o caminho mais longo para a Praia do Farol...

    Klemens no Google Earth

    Sunday, July 31, 2005

    The sea was angry that day, my friends...


    [Olhos d'Água / Barranco das Belharucas, fotografia de mar alto hoje ao início da tarde]

    Para os que conhecem bem a minha veia de marinheiro, informo que a embarcação a estibordo, não, bombordo... enfim, à direita, não pertence ao ISN. Por razões puramente meteorológicas ganhei fama entre amigos e pescadores de Sagres de conseguir naufragar sozinho qualquer embarcação com o mar completamente tranquilo. Anos depois, e graças a um documentário no canal História (ou Odisseia, já não me lembro), consegui descobrir finalmente o que aconteceu: foi isto. Um dry microburst, uma poderosa rajada de vento convectiva criada por chuva que evapora antes de atingir o solo. Perfeitamente visível, aliás, numa fotografia tirada na altura, onde alguém registou o momento. Reposta a verdade dos acontecimentos, resta-me informar que aquilo que se vê do lado direito em baixo não é um remo, mas sim uma pagaia. E que o pixel lá ao fundo na praia, de calções vermelhos e óculos de sol à Mitch, é o nadador salvador que nos vai tentar comprar o caiaque quando lá chegarmos. Mas não teve grande sorte...

    Wednesday, July 20, 2005

    A táctica

    "Subject (...) is inclined to be rather absent minded and eccentric, and will start out a door, turn around and come back, go out on the street without his coat or hat and frequently looks up and down the street as if he were watching for someone or did not know for sure where he wanted to go."
    [Army surveillance report for Los Alamos scientist Leo Szilard, June 1943]

    Uma emboscada. Pelas vozes que chegavam até mim enquanto o elevador descia contei duas, talvez do lado esquerdo, ao lado das caixas de correio. Se fosse suficientemente rápido a alcançar a porta do prédio talvez conseguisse escapar. Não contei com uma terceira, que esperava na rua e que entrou no prédio mal eu abri a porta do elevador. Tinham-me cercado. Ainda levei a mão ao bolso, mas estava desarmado: o telemóvel tinha ficado em casa, não podia simular nenhuma chamada urgente. Fui fuzilado de imediato: a fechadura da porta do corredor do lixo, as campaínhas que não funcionam, a vizinha do primeiro andar que rega as plantas de manhã de propósito àquela hora para que a do terceiro apanhe um banho quando sai do prédio, a lâmpada do corredor... Tudo isto em menos de três minutos. Só havia uma maneira de sair dali... tive de usar a táctica. Olho distraído para um lado, depois para o outro, e de repente... "Desculpe lá, estava a falar de quê? Estava aqui a pensar noutras coisas..." A táctica tem sido usada com diferentes graus de sucesso em várias ocasiões sociais ou simples encontros do dia-a-dia. Só funciona se o alvo souber à partida o que faço, ou tiver a vaga ideia de que sou um cientista. No meu prédio isso foi o mais fácil... basta contar a uma das vizinhas, todas as outras ficaram logo a saber. Depois é só deixar o estereótipo funcionar. "Ai desculpe. Deixe estar, deixe estar, depois quando tiver tempo dê uma olhada nisso..." Ficam a olhar umas para as outras, e é neste raro momento de silêncio que eu aproveito para sair, mantendo um ar vagamente alucinado de quem está a ver equações nas pedras da calçada e nas matrículas dos carros. Obviamente quando se está neste estado, não se consegue ouvir o que dizem à nossa volta... "É cientista, coitado. É tanta coisa na cabeça ao mesmo tempo. Olhe que um filho duma prima minha deu em doido!" Ah pois...

    Thursday, July 07, 2005

    Wednesday, July 06, 2005

    "- People will think..." (Kane's first wife)
    "- What I will tell them to think!" (Citizen Kane)

    Estive sem televisão durante um mês, mais ou menos. Cheguei a casa um dia, liguei-a... e nada. Carreguei com mais força nos botões, bati com o comando na mesa, mudei as pilhas... e nada. Peguei então na chave de fendas e abri-a. Não porque achasse que a conseguia arranjar, mas porque sempre preferi o curto-circuito e o remover de algumas peças como meios de tortura mais eficazes do que o tradicional murro na parte de cima do aparelho. A táctica tem dado os seus frutos. Há computadores e micro-ondas que começam subitamente a funcionar, mal eu chego para os arranjar. Não foi o caso da minha televisão, infelizmente. Duas semanas depois lá meti o que restava dela na mala do carro e levei-a para o arranjo. Não vi por isso imagens nenhumas do aconteceu na Praia de Carcavelos. Do "arrastão" li a notícia no Público do dia seguinte e ouvi os relatos de quem tinha visto na TV. Os que tinham chegado de fora para o curso do IGC estavam assustados com as notícias da BBC, que a praia fica ali perto do Instituto. "So what happened here? Were there really five hundred criminals on the beach?"
    Afinal... parece que não.



    A história do arrastão que nunca existiu é dissecada no blog O céu sobre Lisboa, numa série de posts que merecem ser lidos (começa aqui). Há também um documentário de Diana Andriga, que mostra as imagens dos noticiários que não vi. Uma notícia falsa? Uma cobertura mediática "por arrastamento"? Manipulação de massas? Sim, sim, parece que sim. Nada de anormal, de resto, que nem esclarecimentos nem pedidos de desculpa houve. Eu pelo menos ainda não vi nada, agora que já tenho televisão outra vez...

    Tuesday, June 28, 2005

    O processo

    O meu deve estar numa pasta verde, arrumada na cave, acessível só a dois ou três funcionários que é preciso chamar por um telefone preto dos antigos. Não o cheguei a ver. Existem computadores na repartição de Finanças aqui da zona, mas só os usam para imprimir ainda mais papéis que depois têm de ser escritos à mão, carimbados e obviamente arquivados. Durante a hora e meia que ali estive foram atendidas quatro pessoas. A minha vez iria chegar lá para as duas da tarde, o que "nem era assim tão mau" para a senhora que ficou com a minha senha. Fui-me embora quando vi uma das funcionárias colocar um dedal cor-de-rosa no dedo indicador para usar o rato...

    Monday, June 27, 2005

    Heidelberg

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    [Marktplatz ontem à tarde, imediatamente antes de ser invadida por um exército de turistas japoneses com máquinas fotográficas sincronizadas, a caminho do castelo]

    Wednesday, June 22, 2005

    Os vizinhos IV

    Habemus administratorum

    "Eu não falo com esta senhora, a não ser aqui na reunião e só sobre assuntos do prédio. Tem aqui as contas, tome lá, tome!" Para o outro lado da mesa voaram meia dúzia de folhas escritas à mão, a contabilidade de quatro anos feita pelo administrador cessante, o líder da facção A, sentado à minha esquerda. Pela facção B, uma oligarquia feminina sentada à minha direita em frente a uma ruidosa ventoinha, respondia a dona A., empunhando uma garrafa de água: "Nas suas contas não confio eu! Mostre lá a factura do arranjo do elevador, mostre lá!" À minha frente umas quantas procurações, umas mais válidas que outras, de todos os que há muito desistiram da vida militar e confiaram o seu destino nas mãos de uma das facções. "O sr. S. não pôde vir, está muito doente, mas ele disse que eu o podia representar, que ele depois assinava uma procuração." Nada feito. "Nem pensar, nem pensar! Você deve estar é doido! Pode falar por ele, mas sem procuração não pode votar! Nem pensar!". Devia ser mais ou menos este o ambiente que se vivia na final do campeonato de xadrez de 1972, entre Anatoly Karpov e Viktor Korchnoy. Houve de tudo, nessa final, desde os óculos espelhados de Korchnoy que encadeavam o adversário até ao parapsicólogo trazido por Karpov para hipnotizar e perturbar o oponente. Não ia achar nada estranho se no final alguém me dissesse que os estalidos da inútil ventoinha tinham sido propositadamente regulados de forma a provocar a súbita dor de cabeça da dona M., pouco tempo depois do início da reunião. Uma dor de cabeça que iria durar pelo menos três horas e meia. Até começar a minha. "Eu também voto aqui no jovem, como é que se chama mesmo?" Rino, José Rino. O novo administrador do condomínio, eleito com oitenta e tal por cento dos votos no sábado passado...

    Monday, June 13, 2005

    Alfama, ontem à noite...

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    (1) - 22h37
    "- Então mas não posso virar à esquerda porquê? Deixe-me lá estacionar ali.
    - Não pode ser, tem de seguir em frente.
    - Então mas esta rua vai ter onde?
    - Ao rio."

    (2) - 23h42
    "- Pode parar aqui, que eu faço o resto a pé.
    - Três euros e novent... quatro euros. São quatro euros.
    - Sabe que ainda há bocado estive aqui a tentar estacionar o carro...
    - Olhe, é da maneira que não o vai buscar amanhã ao parque da polícia, como este aqui à frente..."

    (3) - 23h56
    "- Aí está ele! Então, só agora? Ainda há aqui sardinhas, anda cá.
    - Eh pá, isto está com bom aspecto! Quem é que fez esta sangria?
    - Foi o gajo! O único que não gosta e que nunca tinha bebido sangria. E foi ele a fazê-la!
    - Isto com um bocado de hortelã vai ao sítio...
    - Hortelã não tenho, mas há aqui oregãos...
    - Cerveja, então. Dá-me lá uma dessas cervejas, que é melhor..."

    (4) - 1h06
    "- Só estamos nós os dois? Onde é que ficou o resto?
    - Para o castelo, vai tudo a caminho do castelo. Aqui não vale a pena tentarmos andar juntos, é confusão a mais. Vira aí, na próxima à direita."

    (5) - 1h06
    "- Então mas não podemos entrar porquê? Deixe-nos lá ir ter com um amigo nosso que está aí no castelo.
    - Não pode ser, tem de voltar para trás. Aqui dentro não há nada.
    - A sua cara não me é estranha... não nos encontrámos já hoje?"

    (6) - 3h06
    "- Acho que não é para aqui... Descemos demais, sobe aí essas escadas à direita.
    - Para onde é que é para ir, afinal?
    - Largo da Palmeira, há uma mega-party no Largo da Palmeira...
    - E sabes onde fica esse Largo da Palmeira?
    - Claro que não."

    (7) - 4h46
    "ELSELBÊ! ELSELBÊ! GLORIOOSO! ELSELBÊ!
    - Parece uma bancada, o pessoal ali nas escadas, olha lá...
    - É o que eu te digo pá, Alfama é benfiquista, gosto disto."

    Tuesday, June 07, 2005

    Boletim tactónico II

    Depois de um período de relativa inactividade, e mais de um mês depois do último boletim, é tempo para novo balanço nas movimentações da placa tactónica, que teve de resto desenvolvimentos inesperados nos últimos dias. A situação é agora de alerta amarelo nas zonas adjacentes ao corredor, principalmente a norte do epicentro original. Foram detectadas as primeiras deformações no soalho do quarto onde escrevo, mais ou menos no sítio onde se encontra o router wireless, que agora emite um bocado melhor o sinal de rede, por estar ligeiramente elevado. Contactado de urgência, o senhor P., canalizador da loja lá da rua (ao lado da escola de condução) diz que pouco pode fazer com os meios de que dispõe: "Todos os anos é a mesma coisa, chega o calor nesta altura e não tenho pessoal suficiente para ir a todo o lado, não pode ser, desculpe lá. Agora só para a semana...". Neste momento, estima-se que vinte e cinco por cento da área total do soalho tenha já sido afectada, um número que pode vir a aumentar nos próximos tempos. "Ah pois, isso agora com o calor ainda é pior, é... Pois é... Olhe, agora só para a semana..."

    Thursday, June 02, 2005

    Day 3 - The Outing

    "You know, why we're here? To be out, this is out... and out is one of the single most enjoyable experiences of life. Did you ever hear people talking about "We should go out"? This is what they're talking about... This whole thing, we're all out now, no one is home. Not one person here is home, we're all out!"

    Uma hora e meia, sempre a subir. De vez em quando as árvores desapareciam e olhávamos lá para cima, para o topo. Não existe neve nesta altura do ano, mas nunca se sabe, podia haver alguém a descer a pista à mesma. Bastava ter-se desequilibrado lá em cima, ou até durante o caminho. Nem todos chegaram ao fim, de resto. Havia sempre quem parasse para tirar fotografias. A vista era sempre a mesma, mas isso não parecia incomodar ninguém. O cansaço transformava-nos a todos em artistas meticulosos, demorados na escolha do ângulo e da luz certa. Cada foto acabava por demorar o tempo exacto de recuperação do fôlego...

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    Não fiquei muito tempo lá em cima. A vista do topo de uma montanha é algo a que não se dá muita importância, quando se é míope...

    "You wanna go out: you get ready, you pick out the clothes, right? You take the shower, you get all ready... There you're staring around, whatta you do? You go: "We gotta be getting back..." - The Seinfeld Chronicles [pilot, 1989]

    Wednesday, June 01, 2005

    Day 2 - Fussweg zum Bahnhof

    Não se consegue ver de cá de cima, do hotel, mas não é difícil adivinhar onde fica. O silêncio aqui só é interrompido pelo som que vem de lá de baixo, do vale. Semmering foi em tempos uma vila mineira, povoada por homens de picaretas e bigode, com lenços ao pescoço e suspensórios. Há ilustrações deles ao longo da estrada que leva ao hotel, às vezes uma ou outra fotografia. Deviam vir muitos, e o que procuravam devia ser valioso, porque desde cedo este sítio teve uma estação de comboios. Ainda hoje lá passam bastantes, consigo ouvi-los cá em cima, alguns se calhar ainda com mineiros de bigode e picaretas lá dentro. A estação fica lá em baixo, no vale. É sempre a descer, há um atalho pelo meio da floresta...

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    "Hallo! Hallo! Kommen sie hier, bitte!" Levantou-se de repente acenando o braço no ar, com um sorriso enorme e uma agilidade pouco habitual para a idade avançada que tinha. Dir-se-ia que me tinha reconhecido de qualquer lado. "Ich gehen zum Bahnoff", respondi eu em voz alta, e pouco mais conseguia dizer no meu alemão rudimentar. "Ja, ja! Kommen sie hier!". Fui. Era uma casa no meio da floresta, já perto da estação, com um pequeno jardim e uma cerca de madeira. Cumprimentou-me e levou a mão ao bolso. "Ich sprecht nicht deutsch", avisei, mas ele só sorria.
    Estendeu-me um pacote de Wanner, umas wafers com creme de noz, fabricadas em Viena desde 1898. Recusei, ele voltou a insistir. "Für sie, kollege! Das ist für sie!". Agradeci, pegando finalmente nas Wanner. "Alles gut! Auf wiedersehen...", despediu-se e foi para dentro de casa, satisfeito por ter cumprido a sua missão. Não lhe perguntei há quantos anos ele estava ali à espera, com as Wanner dentro do bolso, de alguém que em tempos deve ter sido parecido comigo...

    Tuesday, May 31, 2005

    Day 1 - Polizei

    Fomos os últimos a chegar a WestBahnhof, depois de passear por meia Viena às mãos de um taxista sorridente e de certeza aldrabão. Estavam à nossa espera, o autocarro para Semmering de qualquer forma ainda não tinha chegado. O ponto de encontro era ao lado da estação. O nosso... e o da unidade especial de estupefacientes da polícia vienense, que chegou pouco depois em carrinhas brancas e carros à civil. Vinham bem dispostos, explicaram-nos tudo enquanto vestiam os coletes à prova de bala, metiam umas máscaras pretas na cara e conferiam se tinham todos as semi-automáticas, navalhas de ponta-e-mola, lanternas, capacetes e algemas. Um deles procurava uma metralhadora na mala do carro. "It's just two streets ahead, they're going to get some guys. It's drugs, you see." traduzia o nosso guia. "The ones with the gray uniform go in with the dogs. The others don't have to wear a uniform." Olhava-se para eles e percebia-se porque é que o uniforme não era necessário. O mais baixo tinha ar de quem conseguia levantar o carro que conduzia com todos os outros lá dentro. Não ficaram ali muito tempo. "Alles gut!" e desapareceram tão depressa quanto chegaram.
    "- Não pareciam calmos demais, eles?
    - Estamos em Viena, Rino. O Rex é que deve ter o trabalho todo...
    - Pois..."

    Monday, May 30, 2005

    Prelude

    "Ullman: When the place was built in 1907, there was very little interest in winter sports. And this site was chosen for its seclusion and scenic beauty.
    Jack: Well, it's certainly got plenty of that, ha, ha.
    "

    Falta ainda imprimir o poster, fazer as malas, procurar o carregador para a máquina fotográfica e decidir o que levo de "weatherproof equipment" para andar pelas montanhas na quinta-feira. O Rinoblog em directo de Semmering, já a partir de amanhã, que este ano o ELMI meeting é na Áustria. Parece-me é vagamente familiar, o hotel...

    "Ullman: That's very good Jack, because, uh, for some people, solitude and isolation can, of itself become a problem.
    Jack: Not for me.
    "

    Friday, May 20, 2005

    Os vizinhos III

    Os mais idosos, que são a maioria, encontro-os de vez em quando ainda dentro do elevador, quando o chamo mal a luz da porta se apaga. Não têm tempo suficiente para sair e ficam presos lá dentro, arrastados contra vontade até ao quinto andar. Quando abro a porta estão sempre com um ar um bocado assustado, como se tivessem sido raptados ou levados para outra dimensão. Hoje aconteceu outra vez. "Em que andar estamos?" perguntou desconfiada a vizinha do segundo andar, a espreitar cá para fora para ver se nada mudou. "No quinto, desculpe lá..." respondo, com vontade de continuar: "...estamos em dois mil e cinco e ainda no mesmo prédio, não se assuste, vamos descer outra vez". Depois reconheceu-me. "Então, está bom? E a sua irmã, que nunca mais a vi?" Sabem quase tudo sobre mim. "A si também não o tenho visto, mas você chega sempre mais tarde a casa, não é? Então já viu o anúncio lá em baixo?" Estava de facto um anúncio lá em baixo. Reunião geral de condóminos, lá para finais de Junho. Calha bem, que devo estar na Alemanha nessa altura...

    "do pontapé"

    À atenção do jMAC:

    Red is a recipe for sporting success
    "Seeing red might not always be the best strategy in the heat of sporting battle, but wearing it might be. Research suggests that wearing a scarlet outfit can give a competitor that vital edge... more »"

    Sobre o campeonato... um artigo na Nature deste mês, descoberto pelo nosso correspondente em Cambridge, assegura que o vermelho das camisolas nos vai garantir a vitória no Bessa. Pelo menos no boxe, tae kwon do, luta greco-romana e wrestling, os atletas equipados de vermelho têm vantagem sobre os opositores, que ficam instintivamente de pé atrás. Há grandes perspectivas de estarmos a tomar banho na fonte do Rossio no domingo à noite, portanto...

    Wednesday, May 11, 2005

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    "- Estou?
    - José... uhm... Rino?
    - Sim?
    - FedEx, bom dia. Estou aqui à porta de sua casa, tenho uma encomenda para si...
    - Olhe, não me apanhou por pouco, acabei de sair de casa. Mas eu estou de carro, se puder esperar dois minutos, eu volto para trás...
    - Sim, sim, foi por isso que liguei... Apanhei trânsito, sabe... Cheguei atrasado por causa disso...
    - ..."

    648278659339. Não sei se este número sou eu, se são os dois livros que chegaram de Milão. O telemóvel também lá está, claro, mesmo por cima da morada, mas isso posso ter sido eu a dizer-lhes. Sei que basta fazê-lo uma vez. Como sabem eles a que horas eu saio de casa, isso é que me deixou intrigado...

    Tuesday, May 10, 2005

    Um país de matemáticos

    Taxistas que divagam sobre probabilidades e estatística, empregados de restaurante que fazem cálculos de análise combinatória, jornaleiros que apontam para sondagens e arriscam cenários alternativos mas "matematicamente possíveis". Esta semana Portugal descobriu finalmente a sua vocação matemática. Até no café do Sr. S., hoje de manhã, discutiam entusiasmados dois homens de farto bigode, em frente a duas imperiais e um prato de tremoços. "Ora faz lá contas, faz lá! É como te digo, pá! Estão seis pontos em discussão, faz lá as contas! Se ganharmos na Luz por 2-0, somos campeões!"

    Wednesday, May 04, 2005

    Boletim tactónico

    Em virtude da situação de calamidade que se instalou no corredor aqui em casa (e vagamente inspirado no incontornável boletim polínico da TSF, que todas as semanas nos promete avisar dos perigosíssimos pólens que andam no ar), o Rinoblog inaugura hoje o boletim tactónico, que estará online sempre que tal se justifique e que para além de informações úteis sobre o actual estado de deformação da placa tactónica terá ainda as previsões semanais das zonas que irão ser mais afectadas e dos melhores percursos para chegar à cozinha em segurança. De consulta obrigatória para todos os visitantes aqui de casa, pelo menos enquanto a situação não é resolvida...
    Ora vamos lá a isto:
    Região norte (perto da casa de banho): Deformação tactónica em evolução rápida, com pronunciada elevação no sentido norte-sul e uma rampa pouco acentuada perpendicular à parede. Aconselha-se a circulação pelo lado direito, seguido de um pequeno salto mesmo antes da porta da casa de banho.
    Região centro: A situação não é ainda preocupante, embora seja já nítido o efeito de "soalho flutuante", sem perigo de queda, contudo. Proibição de saltar.
    Região sul (entrada da cozinha): Pronunciada deformação tactónica em forma de pirâmide no lado esquerdo, dissimulada pela carpete e que por isso representa um perigo adicional. Em caso de queda, evitar o micro-ondas que se encontra mesmo em frente.
    E é tudo por hoje.

    Wednesday, April 27, 2005

    O homem da conspiração

    Foi-me tudo explicado por um senhor de fato-macaco castanho que atravessou a estrada de propósito para abastecer o meu carro. Deviam ser quase dez da noite, não estava ali mais ninguém. Um posto de abastecimento deserto, na antiga nacional nº1, mas com as luzes acesas e o som abafado de um rádio, um relato de futebol. Apareceu a correr entre dois camiões, de certeza que nenhum deles o viu. "Oh amigo, então você não leu aqui isto? Ouça... faça marcha-atrás e meta ali naquela bomba, que aquele gasóleo está em promoção." Tive de sair do carro para o ouvir, que ele continuava a falar enquanto me abastecia o carro com o tal gasóleo. Perdi o início da história, mas desconfio que não terá sido por isso que ela me pareceu incompreensível. Nunca tinha percebido a associação entre o posto de gasolina e um extra-terrestre na publicidade... até hoje. "... é como o Mantorras, tá a ver ou não? É como eu lhe digo! Olhe, este gasóleo aqui que lhe estou a pôr nem tem cheiro! Veja lá, veja lá..." Anos e anos de investigação para produzir o gasóleo de sonho de todos os funcionários de postos de combustível: um que não tem cheiro. "Até pode tomar banho nisto, que não fica a cheirar! Eh pá, entrou-me aqui uma castanha para o dente... porra para isto! Quer factura?" Acompanhei-o para dentro da cabine, onde estava o rádio com o relato de futebol, o multibanco e um saco de castanhas assadas, já descascadas e sem cheiro a gasóleo. "Coma lá uma, homem! Não quer? Pois é como eu lhe digo... isto tá tudo feito, tá tudo combinado! Qual apito, qual quê! Não fosse o Mantorras... e a Casa Pia? Eihhh, se você soubesse..." Ali o extra-terrestre era eu, só podia ser. Olhava desconfiado para o rádio que transmitia o relato de um jogo de futebol cujo resultado já estaria combinado, para as castanhas assadas, para o multibanco que só fazia a ligação depois de ter levado dois murros... "Um amigo meu que é camionista às vezes apanha umas coisas no rádio... tá a ver, não tá?" Eu olhava à volta, desconfiado, mas não, não via nada. Vim-me embora sem a factura, com medo de estar a transportar uma mensagem codificada para alguém, sem o saber. O carro anda de facto mais depressa, mas eu não acelerei muito. É melhor não arriscar...

    Friday, April 22, 2005

    "But the question is this:

    What have I been doing? Everybody says to me: "Hey, you don't do the show anymore... What do you do?" I'll tell you what I do: Nothing! Yeah, I know what you're thinking: "That sounds pretty good!". You think: "I might like to do nothing myself!". Well, let me tell you, doing nothing is not as easy as it looks. You have to be careful... Because the idea of doing anything - which could easily lead to doing something... that would cut into your nothing - and that would force me to have to drop everything!" - Jerry Seinfeld, Late Show with David Letterman (2001)

    (RinoBlog will be back after these messages...)

    Tuesday, April 05, 2005

    A placa tactónica

    Lisboa, quinto andar de um prédio amarelo. Hora local: 1h20. No corredor que atravessa a casa, mesmo em frente à cozinha, uma equipa de investigação totalmente incapaz de distinguir uma trave de um pilar analisa o fenómeno cuidadosamente. Não existem testemunhas da ocorrência, mas terá sido P. o único a passar o fim-de-semana em casa. Foi ele, aliás, o primeiro a ter contacto com aquilo. "Eu só dei conta ontem à noite. Vinha a correr pelo corredor, porque ouvi golo do Benfica, e devo ter feito a curva mais apertada... Bem, ia-me espalhando na cozinha quando tropecei nisso!" Não são perceptíveis os danos causados pelo embate, até porque a senhora M., que faz a limpeza da casa à segunda-feira, tentou hoje à tarde normalizar a situação, agravando-a irremediavelmente. Na sua forma inicial, a perturbação terá causado uma elevação dos tacos de madeira que pavimentam o chão do corredor até metade da largura deste, seguindo uma linha perpendicular à parede. Era como se o corredor tivesse subitamente ficado mais pequeno do lado direito, e aos tacos de madeira não restasse outra hipótese que não o erguerem-se apoiados uns nos outros, criando uma lomba perfeitamente triangular. Alguns saltos, marteladas e finalmente a remoção indiscriminada de alguns tacos reduziram a perturbação à sua forma actual: um puzzle onde as peças não encaixam. P., debruçada, procura sinais de humidade debaixo dos tacos levantados. A banheira fica do outro lado da parede, diz ela, podem ser infiltrações. Mas não há sinais de humidade. Eu olho para as paredes, procuro rachas, sinais de uma falha estrutural que não faço a mínima ideia que forma teria. Um tremor de terra? "Eh pá, eu acho que senti a cama a tremer na noite de sábado... Se calhar temos aqui uma falha tectónica, ou melhor, "tactónica" no corredor..." Um caso a ser estudado, este da placa tactónica que atravessa o corredor. Ou talvez... Olho agora para a outra parede, desconfiado. Do outro lado, o vizinho, o administrador demissionário. Não me têm passado despercebidos os ruídos estranhos durante a noite, um ocasional martelar durante o dia, as interferências no sinal da tvcabo e as falhas da net wireless. "Mitrokhine!", lembro-me de repente. "Uma série de microfones embutidos na estrutura do edifício pelo serviço de informações do KGB tornavam-no um microfone de oito andares ligado ao Politburo". A Guerra Fria chega finalmente às instalações no futuro Administrador. Já a partir de amanhã, começamos a treinar a nova cifra para conversação codificada aqui em casa...

    Wednesday, March 16, 2005

    Desilusão

    Comprei o jornal, olhei para os rodapés dos noticiários na televisão, ontem até sintonizei a TVI durante quase dois minutos, mas nada. Algo se passa neste país que as notícias já não são o que eram. Ainda não ouvi ninguém falar da anormal "vaga de calor equatorial" que nos atingiu assim de repente, menos de dois meses depois da "vaga de frio polar". Não digo um directo a partir de Albufeira ou da Caparica, mas pelo menos um aviso geral à população para que comece a usar roupa mais leve... acho que se justificava perfeitamente.

    Monday, March 14, 2005

    E porque hoje é segunda...

    As estreias, as críticas, os boatos, os trailers. A Clarice até tem um blog. É favor não participar no passatempo, que eu quero o DVD do Silêncio dos Inocentes. Como é? Vamos ao cinema hoje?

    Os vizinhos II

    "Olhe, ainda bem que o encontramos. Então quando é que é toma conta disto?" Apanhado de surpresa à saída do elevador, só faltavam os microfones em riste e os focos de luz das câmaras. Uma conferência de imprensa improvisada, a ser transmitida em diferido ao longo da tarde para todos os andares do prédio. Ou quase todos. "Ele não tem estado cá, vizinha. Andou lá por fora, que eu sei..." Nada escapa ao olhar atento dos media, neste caso da dona M. A virança continua, aqui no prédio. Para os vizinhos não é suficiente a queda do Governo, é preciso que caia também a actual Administração do Condomínio. "Isto tem de mudar. O outro tem de sair! Já lá está há muitos anos!" É inevitável. Andar "lá por fora" coloca-me automaticamente em posição elegível, não há fuga possível. "O outro até queria pôr ali uma câmara à entrada, para vermos na TV quem quer entrar, quando nem sequer o intercomunicador funciona, veja lá. Eu nunca consigo ouvir nada!" O povo não perdoa o populismo, sabe que o tempo é de crise, que não há dinheiro para câmaras, nem mesmo para prevenir os assaltos. "Eu deixo entrar toda a gente no prédio! Enquanto não arranjarem aquilo, deixo entrar toda a gente! Tem de ser você a tomar conta disto." Não confirmei nem desmenti, garanti que tudo seria resolvido em altura oportuna e no local próprio. Tentei, enfim, sair dali. "O meu marido disse-me que seria este mês, mas já vamos no dia 15, veja lá isso..." Sorri, acenei com a cabeça, lá consegui sair para a rua. Desconfiado que ainda vou encontrar um cartaz com a minha foto no placard de entrada do prédio, quando regressar hoje ao final da tarde. Mesmo ao lado da mensagem enigmática escrita à mão numa folha de caderno...

    Sunday, March 13, 2005

    "Havin' a ball, man! When we have a party, we have an Allman Brothers Band party. Everybody boogies. Everybody gets off." - Red Dog, Allman Brothers Band number one roadie, Almost Famous

    O Europa esteve ao rubro, na noite de sexta para sábado! Bela festa, rapazes. Bela festa...

    Tuesday, March 08, 2005

    He went out walking...

    Disappeared for a month, just like that. This time, though, it was not a normal take-off. This time something changed, he landed someplace else. Check-in is right through here, please update your links. He is now a wanderer on a walkway...

    Saturday, March 05, 2005

    De regresso...

    No meio da paragem de autocarro, de máquina fotográfica na mão e a tremer de frio, ainda assim fui confundido com um local. "Bitte schön? Kennen Sie diese Straße?". Um endereço escrito a azul numa folha de papel, a caligrafia demorada de um idoso. Olhou para mim desconfiado quando lhe disse que não era de cá, respondeu-me à mesma em alemão. "Suíço", acrescentei mentalmente à minha lista de falsas nacionalidades, "também passo por suíço". Só hoje, no último dia, alguém se dirigiu a mim finalmente em inglês. "Move away, please...". Era um homem com um blusão laranja fluorescente que espalhava sal pelo passeio. Estava a bloquear-lhe o caminho, distraído a olhar para cima, a sorrir. Estava finalmente a nevar...

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    [Münster Brücke, debaixo de uma árvore, abrigado da neve]

    Friday, March 04, 2005

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    [Hönggerberg, o regresso ao hotel pelo caminho mais longo...]

    meanwhile, in Zurich...

    "- Cold? You think this is cold? In Finland, we say it's cold when it gets to minus 40 degrees. You can take some boiling water, throw it outside and when it hits the ground it's already snow. That's cold!"

    Tuesday, March 01, 2005

    O mistério

    Andei o dia todo a pensar naquilo. No que teria sucedido. Àquela hora da manhã não costumo achar estranho nada do que vejo, até acredito em tudo o que me dizem, mas desta vez ali fiquei, quase parado, a tentar perceber aquilo. Alguma coisa ali deve ter acontecido. Alguma coisa me ia acontecer a mim, que o carro não ia aguentar até à rotunda do relógio. Na bomba de gasolina da BP, logo depois do Areeiro, uma centena de pessoas acotovelava-se em frente à loja, transbordava até para a estrada pelo meio das barreiras que a polícia instalou. Contei pelo menos uns oito ou nove agentes fardados. Pareceu-me ver umas sirenes. Imaginei uma ambulância no meio dos carros que não iam sair para lado nenhum. Olhei para o chão, olhei para onde estavam mais pessoas, procurei indícios de rixa, talvez um assalto, quem sabe feridos ou mortos. Nunca vi tanta gente numa bomba de gasolina. Não podia ficar muito tempo, já o trânsito se acumulava atrás de mim, lá continuei. A olhar para o ponteiro do combustível, para o rádio à procura da TSF para saber o que se passava e, ocasionalmente, para a estrada. Alguma coisa se devia ter passado. E devia ter sido grave. Era quase uma centena de pessoas. Só agora que cheguei a casa, depois de imprimir os posters que amanhã viajam comigo para Zurique e jantar um pão com chouriço e um caldo verde na 24 de Julho, descobri que era isto. Bilhetes para os U2. O carro acabou por aguentar até à Galp do Aeroporto, movido certamente pelo vento...

    Saturday, February 19, 2005

    Em reflexão...


    Depois do jantar comício em grande, a viagem até Leiria. Amanhã voto na cidade onde nasci...

    Wednesday, February 16, 2005

    Quioto

    Olho para dentro do Minipreço, do outro lado da rua, e conto pelo menos seis. Quatro senhoras idosas e dois homens. Todos com pequenos papéis na mão, em fila indiana à frente do quiosque dos jornais. Pelo menos dez, quinze minutos até todos eles verificarem se ganharam alguma coisa para logo a seguir, é certinho, gastarem o dinheiro todo a comprar mais uma dezena de totolotos, totobolas, lotarias, raspadinhas e qualquer coisa de euro-milhões. Olho para a direita. Mais à frente na rua, o condutor de um opel corsa azul discute de braços abertos com o "Bigodes", o polícia que quando não está na tasca do Sr. Silva, ali na esquina, se entretém a multar os carros em segunda fila. Oito ou nove pessoas assistem à discussão, de pé, no passeio. Quando lá chegar já a rua estará bloqueada, não vale a pena tentar chegar ao quiosque ao lado do restaurante do Sr. Manuel. Viro à esquerda, passo ao lado do Mercado, sigo em direcção à Alameda. Entro no quiosque da família indiana, quase ao fundo da rua, para sair logo a seguir, mal vejo a pilha de bilhetes de lotaria que um senhor baixinho de óculos e camisa branca entrega a tremer ao senhor indiano mais velho. O mais novo não está, ia demorar também uns bons minutos até conseguir o meu jornal. Atravesso a Almirante Reis, mas o quiosque em frente ao antigo Cinema Império já não tem o Público. Continuo, obstinado. Do outro lado da Alameda, em frente ao banco Totta, consigo finalmente comprar o jornal. Ainda assim tive de acelerar o passo para passar à frente de um senhora com um ar suspeito. Tinha de certeza a mala cheia de raspadinhas para trocar. O jornal debaixo do braço, o Metro logo ali ao lado, o carro estacionado na rua que pode até já estar cortada ao trânsito, se o "Bigodes" tiver chamado reforços...

    Parece que entra hoje em vigor o Protocolo de Quioto. Quase toda a gente, com a excepção de quem mais contribui para o problema, compromete-se a partir de hoje a poluir menos, para combater as alterações climáticas. Acho bem, apesar de suspeitar que o nosso esforço de pouco vale quando quem mais polui vira a cara para o lado. Ainda assim, hoje, eu vim de Metro para o trabalho! Devo dizer que é bastante mais fácil ler o jornal calmamente sentado na carruagem do Metro do que tentar ler qualquer coisa enquanto espero que o semáforo fique verde...

    Tuesday, February 15, 2005



    Na cave encontrámos finalmente a maior parte da sua obra. Centenas de cadernos com números na lombada, folhas soltas, guardanapos também. Escrevia em todo o lado, por razão nenhuma que não a de estar sempre a escrever. Nada de muito original, disseram-lhe uma vez. "A originalidade é uma qualidade largamente sobrevalorizada", respondeu ele sem parar de escrever. "Tenho de resto a certeza que isto já foi dito por alguém". Esta e outras conversas anotou ele na página doze do caderno vinte e oito. No início escrevia ainda pouco, por vezes apenas algumas frases curtas, nada de muito detalhado. Escrevia desconfiado. Custava-lhe acima de tudo acreditar que certos acontecimentos tinham ocorrido exactamente como ele os escrevera meses antes, às vezes mesmo na véspera de sucederem. Não todos, apenas alguns. Pura coincidência, assegurou-lhe uma vez um idoso numa paragem de autocarro: "É extraordinariamente provável a ocorrência conjunta de dois factos improváveis. O que seria da Astrologia sem a nossa presunção de que as coincidências não existem?" Este episódio, de resto, marcou-o bastante, e terá sido decisivo no que se seguiu. Principalmente porque ocorrera quase da forma que ele o tinha descrito duas semanas antes. Incrédulo, desorientado, refugia-se em casa e escreve, escreve quase sem parar. Vive obcecado não com a ideia de falhar uma previsão, mas sim de acertar em todas, mais cedo ou mais tarde. Sabe que isso não é possível. Sabe que isso não pode ser possível. Escreve então de forma metódica sobre centenas de acontecimentos, de lugares, de pessoas. Escreve centenas de hipotéticas previsões, sempre com o cuidado de introduzir subtis contradições entre elas. Quer ter a certeza de poder anular uma com a ocorrência de outra, quer ter uma prova matemática infalível. Um dia deixou de escrever. Desapareceu por completo, talvez para esquecer tudo aquilo, talvez para não enlouquecer. Todo o seu método não terá sido despropositado. Ao escrever centenas de desfechos possíveis para a sua história, terá sem dúvida acertado num deles. Pode até ser este que leio agora, em que ele regressa um dia para destruir tudo, mas isso seria talvez uma coincidência grande demais. Não me recordo sequer de ter vivido nesta casa...

    Friday, February 11, 2005

    Os jogadores

    "Isto é como se fosse uma batalha medieval, percebes? Os peões são os teus soldados." Aprende-se a jogar xadrez na mesa do lado, num tabuleiro rodeado de imperiais e tremoços. Três homens de farto bigode. Um deles, o que ensina, está de pé. Com a mão esquerda segura o copo, com a direita aponta para as peças no tabuleiro: "As torres são os castelos, vês aqui os cavaleiros? Tu tens é de cercar o rei do gajo! Quando ele não puder fugir é xeque-mate, percebes?" Diz que sim, que percebeu. Avança um peão, a medo. Um dos cavaleiros está ali mesmo ao lado, imponente na sua armadura que ele imagina prateada. Olha para o rei do adversário enquanto mexe no bigode. Já perdeu os bispos mas isso não lhe parece meter muita confusão. Um bispo não deve ter grande valor num campo de batalha. Um canhão aqui é que dava jeito, estilhaçava logo aquelas torres ao lado do rei, agora um bispo... Vêm mais duas imperiais para a nossa mesa, temos de afastar as folhas com rabiscos de DNAs e de membranas nucleares para haver espaço para os copos. Na televisão, um jogo de futebol em repetição, quase tão antigo como a música que se ouve agora mais alto e que abafa o som do peão enquanto ele é atropelado pelo impiedoso cavaleiro de armadura prateada. "Pronto, já chega de Biologia. Vamos a um snooker?". O dono do bar abana a cabeça, diz-nos que não. Alguém ocupou a nossa mesa lá em cima, hoje não há jogo. Combinamos para a próxima, para depois do exame. Olho para o relógio. Duas da manhã, vamos embora. À saída do bar, empurrando a porta que custa a abrir, ouço ainda o "xeque-mate!" vindo de lá de dentro. Não encontramos ninguém na rua. Alfama está deserta àquela hora...

    Tuesday, February 08, 2005

    Gertrude

    "La velocità è il segreto. Velocità e tempo. Vedi? Sono tutti verdi..." Virava à esquerda, depois à direita, todos os semáforos pareciam obedecer a um comando à distância escondido ao lado do volante. Sorria enquanto via mais um a mudar de cor, muito antes de lá chegarmos. Não precisava sequer de travar. Sorria como se tivesse resolvido um puzzle, que compunha agora à nossa frente juntando as peças de olhos fechados. Demorámos quinze, talvez vinte minutos. Atravessámos Genova quase de uma ponta à outra, de casa dele até à casa da filha, onde íamos passar a noite. Não apanhámos um único sinal vermelho. À chegada, com a mesma calma com que me tinha ganho um jogo de xadrez poucas horas antes, parou o carro e segredou: "La velocitá è tutto..."

    Ultrapasso o taxi, fico atrás de um Audi azul. Vai devagar. Demasiado devagar. Vejo-o a olhar para o espelho, a controlar a distância a que estou. Acelera agora inesperadamente, mal vê o semáforo ficar laranja. Persegue-o um outro taxista, que algumas ruas à frente me vai obrigar a parar para deixar sair um cliente, carregado de malas. Já desisti há algum tempo. Um dia talvez consiga repetir o feito do nosso anfitrião em Genova, há seis anos atrás. Sair de casa, pegar no carro e fazer todo um percurso em Lisboa sem apanhar um único semáforo vermelho. Mas terá sido obra do acaso, certamente, porque aqui não há método que funcione. Confiei durante algum tempo no Gertrude, o sistema informático que controla os semáforos nas avenidas principais. Olhava para o pavimento à procura dos rectângulos metálicos, escolhia as ruas, procurava um método. Soava-me a alemão, o nome, teria de haver forçosamente um método. Uma vez, é verdade, consegui ir de Campolide até à Estefânia sem parar. Mas lá estava um camião do lixo à minha espera quando faltavam ainda quatro semáforos para a Alameda. Nada a fazer. Gertrude é afinal um acrónimo em francês. Genova não tem os condutores de Lisboa. Às vezes um deles é suficiente. Actua sozinho, certamente. Mas as outras... As outras só podem ser o resultado de um trabalho de equipa impiedoso, invisível para a maioria, quase perfeito na forma de actuar. Tenho a firme convicção de ter visto o taxista que ultrapassei hoje a comunicar por rádio o sucedido. Foi quando o outro taxi acelerou, perseguindo o Audi, parando depois poucos metros à frente para deixar sair o cliente. As malas, claro, deviam estar vazias...

    Thursday, January 27, 2005

    "Dante's Inferno seems to me almost a comedy compared to this."
    from the diary of SS Dr. Johann Kremer, Sep. 2, 1942




    Oświęcim, é o nome polaco da pequena cidade. Tem pouco mais de 40 mil habitantes e fica a 75 km de Cracóvia. Uma hora de autocarro, mais ou menos. Os alemães chamaram-lhe Auschwitz. Ali construíram o primeiro e o maior dos campos de concentração. Ali mataram mais de um milhão de homens, mulheres e crianças, da forma mais eficiente que puderam. Ali estive eu há seis anos atrás, em silêncio, a tentar perceber tudo aquilo. Não consegui. Vi milhares de fotografias, de rostos que me olhavam de frente sem expressão, vazios de esperança e de sentimentos. Vi salas cheias de cabelos e de botas, de malas com a cruz de David e um apelido escrito a giz. Vi colheres, vi tigelas. Uma delas igualzinha à que existe em casa da minha avó. Igual. Vi as câmaras de gás, os fornos crematórios. Vi o "Muro da Morte". Desci às celas do Bloco 11, das quais tão cedo não vou esquecer o cheiro. Atingiu-me com um arrepio de frio. Vi as paredes riscadas com as unhas, onde contavam os dias, onde escreviam preces. Senti o medo. Em Birkenau olhei incrédulo para uma foto a preto e branco tirada precisamente no sítio onde eu me encontrava, em frente à linha de comboio. Há cinquenta e cinco anos atrás, a dois metros à minha direita, uma criança olhava para alguém que estava na outra fila e esticava a mão, pela última vez. Ali separavam os que iam morrer dos que iam trabalhar até morrer. Uns iam para a fila da direita, os outros para a esquerda. Ali mesmo, onde eu estava, e tudo aquilo me parecia irreal. "Como é isto possível?" Entrei nas cabanas onde dormiam os prisioneiros, wassertrinker verboten escrito em letras militares nas paredes. Entrei na cabana onde Mengele fazia as suas infames experiências. Vi os fornos dinamitados pelos alemães em fuga. Vi tudo. Em silêncio. A tentar perceber o injustificável.
    Auschwitz foi libertada há sessenta anos atrás, neste preciso dia, pelas tropas soviéticas. Há quem não saiba tudo isto, há quem ache que não lhe diz respeito, há quem negue até que tenha acontecido assim. Aconteceu. No dia em que esquecermos Auschwitz, estaremos condenados a deixar que aconteça outra vez.

    Wednesday, January 26, 2005

    A "vaga de frio polar"

    Janeiro, duas semanas atrás...
    "- Privet N. So you're back...
    - Privet Rino. Yes, back to nice portuguese weather!
    - What do you mean, nice? It's eight degrees this morning! It's freezing...
    - No. In Russia it was freezing. Here is nice and warm.
    - Eight degrees is not nice and warm...
    - Rino, it's eight degrees above zero. In Russia it was twenty bellow zero. Believe me, it's nice and warm."

    Janeiro, ontem...
    "- Good morning, N.
    - Hi Rino. Really cold today, ahn?
    - Seven degrees, I just heard on the radio. It's normal, I guess...
    - I think it's really cold. I saw people on TV warning about cold...
    - What happened to the "nice portuguese weather"? It's not colder than two weeks ago...
    - I feel cold. They are warning about cold... maybe I didn't choose the right clothing..."

    Janeiro, hoje. Nada mudou. Não vou ver as notícias logo à noite, mas aposto que pelo menos um canal vai ter um jornalista a acompanhar aquela que será a "noite mais fria" desta "vaga de frio polar". Em directo, claro, à espera provavelmente de um congelamento rápido como o que viu neste filme. Trancadas dentro de casa, com todos os aquecedores que foram comprados à pressa nos últimos dias e com o comando de TV na mão, famílias inteiras vão ver as imagens do frio que assola toda a Europa... menos nós. Não interessa. Se eles têm uma vaga de frio, nós também. Só pode ser isto a globalização, que nunca o mundo foi tão pequeno. Tem o tamanho de um ecrã de televisão.

    Sunday, January 23, 2005

    Holga

    "Esqueci-me! Esqueci-me da máquina fotográfica! Eihh..." Alfama, a caminho de uma tasca, que o homem fez anos. "Como assim, também te esqueceste? Mas ninguém trouxe uma máquina fotográfica?" Não. Vinte pessoas, entre as quais quatro bloggers e ninguém se tinha lembrado. O único que tinha a casa ali ao cimo da rua teima em tirar fotografias com o telemóvel, é uma complicação para as tirar de lá. "Bom... não faz mal, uso uma antiga para o blog." Um post sem fotos não é a mesma coisa, e aquele eléctrico passa ali todas as noites. Puro acaso, não ter sido tirada ontem, só porque ninguém tinha uma máquina à mão. Ou quase... "Bem... eu trouxe a Holga...". A Holga podia perfeitamente ter sido vendida pelo indiano das flores que apareceu a meio do jantar, ou comprada numa loja dos trezentos. Era tão leve que parecia um brinquedo, uma máquina a fingir. "Mas isto funciona? Onde é que eu carrego para tirar uma foto?" Carrega-se num pequeno botão, ao lado da objectiva, o ruído é quase imperceptível. Depois tem de se rodar o filme com muito cuidado, que ele não pára sozinho. É preciso olhar para uns números pretos numa fita encarnada para perceber quando está pronta a disparar outra vez. "Quanto é que tu deste por isto? Mas tu és doido?" É. "Mandei vir pela net. Vinte e cinco euros." Fico seriamente preocupado quando vejo amigos meus a percorrerem o caminho da loucura, da completa insanidade mental. Preparava-me para lhe bater com a máquina na cabeça, ou em alternativa vender-lhe uma data de inutilidades que tenho lá em casa, quando ouço o aniversariante do outro lado da mesa. "Eh pá, teve azar, o gajo. Essas máquinas são feitas à mão, mas a dele saiu bem, é estanque..." Estou definitivamente rodeado de loucos. "Ahn?" Era verdade. A Holga, ao que parece, é feita pelos mesmos tipos que vendem a Lomo. É feita à mão, em material de fraca qualidade e acaba quase sempre por sair defeituosa. Basta uma folga, ou uma pequena abertura, e a luz entra na câmara que devia ser estanque, manchando o filme fotográfico e criando efeitos de luz estranhos na fotografia. Um sucesso, que o resultado é único para cada máquina. Menos aquela. Aquela saiu perfeita. "Deixa ver se eu percebo. Deste cinco contos por uma máquina de plástico e estás chateado porque ela funciona bem?". "Sim..." Não me ocorreu na altura, mas apercebo-me agora que se lhe tivesse batido com a máquina na cabeça, ele se calhar ficava com o problema resolvido...

    Friday, January 21, 2005

    Um contra todos

    "The king was impressed, and grandly declared that he would pay the mathematician the largest amount that the latter could name. The poor mathematician was not just clever but also keen to shatter the king's pride. He said, "Put one gold coin on the first square of a chess board, double that for the second square, double of the second square on the third square, and so on till the 64th square. I want twice the amount on the 63rd square. That is the biggest number I know."

    "- Cinema. Fácil? Outra vez fácil? Isto assim não tem piada nenhuma. Este gajo é um ignorante!
    - Qual destas actrizes... participou no filme Annie Hall... do Woody Allen... é a Diane Keaton, claro!
    - Mas ele não sabe, de certeza. Pois não, olha para ele já em pânico. É burro pá! O jogo todo a pedir perguntas fáceis. Venha outro!
    - Agora vem ela para o lugar dele, se acertar... Acertou, fixe. Vamos ver uma mulher a jogar!
    - Fácil? Ela quer uma pergunta fácil? Mas porque é que pedem sempre perguntas fáceis? Isto irrita-me...
    - É a primeira pergunta... é sempre assim.
    - Mas porquê? Quais são as regras disto? Eles ganham mais à medida que o número da pergunta aumenta?
    - Não, o que ganham é sempre igual ao que já têm, multiplicado pelo número de concorrentes que erram...
    - E é indiferente se a pergunta é fácil ou difícil...
    - Então... então qual será a melhor estratégia? Pedir perguntas difíceis ao início e depois fáceis quando já houver poucos, ou o contrário?
    - Primeiro as fáceis pá! Quanto menos fores eliminando, melhor, porque depois multiplicas mais vezes.
    - Ahn?
    - Deixa-me pensar. Imagina que eliminas logo todos. Ficas com 50 vezes... começas com quanto?
    - Duzentos e cinquenta euros.
    - Aliás, o melhor até é eliminares um a um...
    - Um a um? Ora isso assim... em cada pergunta ficas com...
    - Uma exponencial, isso é uma exponencial!
    - Não é nada exponencial nenhuma, pá. Deixa-me ir ali fazer umas contas... E não sei se é melhor um a um. Não ganharás mais se lá para o final eliminares mais do que um?
    - Não, pá! Não! Vocês os dois! Uma matemática e um físico e tenho de ser eu a fazer as contas? Sou eu contra todos?
    - Espera aí, deixa-me pensar melhor... isso não vai dar uma progressão?
    - É isso, é isso! Ele afinal tem razão! É uma progressão geométrica. Eliminando um a um vais sempre somando o valor que já tens. Em cada jogada ficas com o dobro do que tinhas... É a história do matemático e do tabuleiro de xadrez!
    - Qual tabuleiro de xadrez?
    - Pois... bem me parecia que era uma progressão... Ao fim de n jogadas ficas com...
    - Ficas com dois elevado a n, vezes os duzentos e cinquenta, a dividir por dois... Ficas com dois elevado a n menos um, a multiplicar pelos duzentos e cinquenta...
    - Então o melhor é mesmo fazer só perguntas fáceis, vês? E dizias tu que ele era ignorante...
    - É. Para eliminar o menor número de gajos de cada vez, o melhor é só fazer perguntas fáceis...
    - Eihhh... Isso assim não tem piada nenhuma...

    "The king laughed uproariously. A small sack of gold coins was brought in, and the counting began. The whole court was laughing by the time the coins reached the sixth square, for there were just 32. But by the 11th square, the little sack was depleted. A larger one was brought in. By the 12th square, the chessboard had to be abandoned, and the piles of coins kept on the floor, for the number had grown to 2,048. By the 25th square, the amount was 16,777,216 gold coins. Nobody was laughing any more. By the 37th square (68,719,476,736 gold coins), the king's coffers were empty. And 27 squares still remained..."

    Friday, January 14, 2005

    Admouere oculis distantia sidera nostris...

    13 de Junho de 1655. Christiaan Huygens escreve a J. Wallis, professor em Oxford, comunicando-lhe uma descoberta feita com o seu novo telescópio. O anúncio aparece no final da carta, sob a forma de um anagrama: Admouere oculis distantia sidera nostris, uuuuuu cccrrhnbqx. Uma mensagem em código, uma precaução muito comum dos astrónomos naquela altura, depois do que aconteceu com Galileu. Descodificado, diz o seguinte, em latim: Saturno luna sua circunducitur diebus sexdecim horis quatuor. "A lua de Saturno gira em seu redor em 16 dias e 4 horas". Tinha sido descoberta Titã, como lhe chamaram duzentos anos mais tarde, em honra dos velhos deuses gregos. A maior das luas de Saturno.

    Hoje. Sessenta e sete minutos, é o tempo que demora a informação transmitida pela sonda Cassini a chegar até nós. Cassini orbita Titã, a seis mil quilómetros de altitude. Mas é apenas uma intermediária. A sua companheira, a sonda Huygens, mergulha na atmosfera de Titã a mais de vinte mil quilómetros por hora. Quer pousar, tocar a superfície gelada da lua de Saturno. Se tudo correr bem, nunca teremos tocado tão longe. "Já abriu o paraquedas. Já disse: estou aqui" Em directo de Darmstadt, centro de controlo da Agência Espacial Europeia, o Abrupto adianta-se à CNN e confirma a recepção dos primeiros dados. "Palmas. Começou a chegar. Viva!" Rejubilo também eu, incapaz de me afastar do monitor do computador. A mil e trezentos milhões de quilómetros da Terra, Huygens prepara-se para enviar mais dados. Tem bateria para sete horas, consegue tirar fotografias e registar sons, detectar trovoadas, medir a temperatura, a velocidade do vento, a composição química da atmosfera... Uma atmosfera que terá sido parecida com a da Terra, nos primórdios. Antes do aparecimento da vida. Agora é aguardar...

    Thursday, January 06, 2005

    Os vizinhos

    "Bom dia, está bom? Também vai para baixo?" Cumprimento-o também. Digo que sim, claro, enquanto seguro a porta do elevador. Para cima era impossível, que o nosso andar é o último do prédio. "Terceiro andar", digo para mim próprio, enquanto carrego no botão do rés-do-chão. "Começa quando chegarmos ao terceiro andar..." Enganei-me. Ainda não tínhamos chegado bem ao quarto andar quando ele dispara de rajada. "Vou agora depositar os cheques. Depois passo tudo para si. Vai ser você o próximo administrador." Acredito em tudo àquela hora da manhã. "Ah sim? Ok, tudo bem, sou eu o próximo administrador..." Mal acabo de o dizer, vem-me à memória o governador de Bagdad, assassinado pelas milícias de Al Zarqawi, e Yushenko, desfigurado por envenenamento com dioxinas. Chegará inevitavelmente o dia em que o condomínio daquele prédio será administrado por uma força de manutenção de paz, uma empresa privada. Até lá, a luta pelo poder é intensa. E é preciso ter muito cuidado com as alianças que se fazem. "Depois há umas coisas que tenho de lhe contar, mas isso fica só aqui entre nós", diz enquanto se afasta da porta, que estamos a passar pelo terceiro andar. Há quatro anos atrás, um tapete caiu do estendal do último andar para o quintal do prédio, desaparecendo poucas horas depois. Retaliação ou provocação, o certo é que o incidente provocou uma espiral de vinganças, uma autêntica vendetta siciliana que já terá causado, alegadamente, um ataque cardíaco a um dos beligerantes. E isso foi antes do grande cisma do arranjo do elevador, onde também eu fiquei preso e do qual só saí jurando eterno segredo sobre a localização de uma das chaves de emergência. E das obras no prédio, o equivalente a três meses de Vietname. No placard de entrada do prédio sobrevive ainda propaganda de guerra dessa altura, uma mensagem enigmática escrita à mão numa folha de caderno, que nunca me dei ao trabalho de decifrar. "Três anos! Já administro isto há três anos! Sabe lá você do que tem sido a minha vida com estas, com estas..." Rés-do-chão. Abro a porta do elevador e ele cala-se automaticamente, talvez por instinto. Saímos os dois em silêncio, cumprimentando-nos à saída do prédio sem dizer palavra. Ele virou para a direita, eu para a esquerda, e assim seguimos por caminhos diferentes, como se de um encontro de espiões se tratasse. Desconfio que ainda antes do final do dia vou ser contactado por algum representante da outra facção...

    Tuesday, January 04, 2005

    Gondramaz


    "Darkness. Distant sounds of freeway traffic. Then the closer sound of a car - its headlights illumine an oleander bush and the limbs of an Eucalyptus tree. Then the headlights turn - a street sign is suddenly brightly lit. (...) The car moves under the sign as it turns and the words fall once again into darkness. There is no one else on the road." [I]


    "It was a fine apartment in which we found ourselves, large, lofty, and heavily raftered with huge baulks of age-blackened oak. In the great old-fashioned fireplace a log-fire crackled and snapped. "It's just as I imagined it," said Sir Henry. "Is it not the very picture of an old family home? (...) As Sir Henry and I sat at breakfast the sunlight flooded in through the high mullioned windows..." [II]


    "Out of doors, with fish and oatmeal resting heavy on my gut and breath like smoke upon the frozen air, I walk beside the bailiff neath a gauze of shadow down the steep lanes slippery with frost. The sky is ribboned water-blue and gold along its eastern edge, where West of that there are yet stars and from the fields outside comes a gradual fugue of birdsong, each voice lucid and distinct." [III]


    [I] Mulholland Drive script
    [I] Arthur Conan Doyle, The Hound of the Baskervilles
    [III] Alan Moore, The Voice of the Fire (Angel Language tale, AD 1618)



    "- O champanhe! Tragam o champanhe cá para fora!
    - Mas que horas são? Já passa da meia-noite ou não?
    - Não vejo nada cá fora... Alguém tem aí um telemóvel?
    - Tenho dois, num já passa da meia-noite, no outro não.
    - Acho que ouço foguetes, lá ao longe!
    - Será que já passa da meia-noite?
    - Não interessa... Somos os únicos aqui, por isso decidimos nós. Bom ano!!!
    - Ahhh!!! Não! Champanhe para cima de mim não!!
    - 2005! Bom ano para todos!"