Thursday, December 30, 2004

Há oito anos atrás, sete jovens carregaram uma vespa, uma BWS, uma target e uma scooter com mochilas e partiram rumo à  Lousã, rumo a uma casa restaurada numa aldeia isolada no meio da Serra. A aldeia tinha um único habitante, um pintor. A casa tinha um gira-discos, uma rede para dormir e... uma mesa de snooker.


Oito anos depois, três deles regressam à casa, com mantimentos e lenha suficiente para aguentar três dias. Acompanham-nos um número ainda indeterminado de pessoas, com garrafas de champanhe e de vodka, convencidas que ali se vai celebrar o iní­cio do novo ano. Puro engano. Naquele sí­tio o tempo nunca passa. Não há telemóveis, não há carros, a televisão só consegue apanhar dois canais, mas muito mal. Desconfio que também os relógios se confundem com o ar da Serra. Talvez seja possí­vel ver o fogo de artifí­cio de aldeias vizinhas, mas nem isso é certo. Sabemos apenas que hoje à noite, quando subirmos a Serra, será ainda dois mil e quatro. Que o Sol irá desaparecer do lado direito da casa e nascer do lado esquerdo, e que nós estaremos lá, em silêncio, a apreciar. E que ao fim do terceiro dia, quando finalmente descermos a Serra, será dois mil e cinco. E que se alguma coisa tiver mudado, terá sido dentro de nós seguramente, e por decisão nossa. Porque tudo o resto irá permanecer igual. Sempre assim foi. Principalmente ali...

Wednesday, December 29, 2004

Conversa de Oficina

(durante a inspecção ao meu carro)

"- Ligue os médios... Agora os máximos... Farol de nevoeiro... Buzine.
(o telemóvel começa a tocar)
- Saia agora do carro, se faz favor...
(aproveito para atender o telemóvel)
- Estou? Não... estou na inspecção com o carro. Mas vou para o laboratório a seguir...
(desligo)
- O senhor desculpe se for indiscrição, mas faz o quê?
- Uhmm... Sou (engulo em seco) cientista.
(pausa)
- Cientista?
- Sim. (já arrependido e com uma estranha sensação de deja vu)
- E estuda dinossauros? Sabe que ainda há muitos dinossauros em Portugal!
(o carro treme com o teste à suspensão... não lhe percebo bem a voz)
- Dinossauros?
- Sim! Olhe, o Mário Soares, por exemplo! Você podia estudar o Mário Soares, esse é que é um dinossauro!
(ri-se bastante... com o carro a tremer o efeito é engraçado...)
- E sabe a tabela dos químicos? A tabela peri... a... aquela coisa dos químicos?
- A tabela periódica?
- Sim, isso! Sei-a toda de cor! Toda! Aprendi-a quando queria ir para a Judiciária.
(sai do carro e entro eu... avanço para o teste aos travões, enquanto ele desce umas escadas e fica debaixo do carro)
- Rode o volante, rode! E bombas, sabe fazer bombas?
- Bombas?
- Sim! Por exemplo, uma bomba atómica, você sabe fazer uma bomba atómica?
(não o ouço com o barulho do carro a ser agitado)
- Uma bomba quê?
- ATÓMICA! UMA BOMBA ATÓMICA!
(consigo sentir todo o pessoal da oficina a olhar para mim)
- Uhmm... Sim, claro! Mas é difícil arranjar urânio enriquecido, ou plutónio...
- MAS CONSEGUIA?
- Sim, sim... Claro que sim!
(sai debaixo do carro com a lanterna ainda acesa)
- Olhe, andei à procura de qualquer coisa para chumbar o carro, e consegui!
- Conseguiu?
- Sim, vai ter de cá voltar... mas só para o ano!
(ri-se bastante e pisca-me o olho)
- Vá ali buscar o papel à recepção...

Sunday, December 19, 2004

"- Quer ir aqui pela direita? Ou viramos à esquerda?
- Boa pergunta... Isto das bifurcações... Direita, olhe, desça a rua aí à direita.
- É que isto hoje está um caos, sabe...
- Pois, já reparei..."



Quatro táxis. Quatro noites. Uma cidade. Como o filme de Jim Jarmusch, mas em versão distorcida. Cheguei a casa com a sensação de ter sido múltiplos, já o sol tinha nascido sem termos dado conta. Tento juntar todas as imagens, todas as memórias da noite, mas a tarefa é quase impossível àquela hora. Confunde-me ainda a sequência. Recordo um cartaz amarelo, Libertà e Paura; traços brancos na auto-estrada; uns anjos de cartolina pendurados do tecto e um túnel verde; uma mala que desapareceu, uma esquadra de polícia; e as nuvens sobre o Tejo, num taxi em grande velocidade a caminho da Feira da Ladra...

"- Para onde vai?
- Siga, siga... por enquanto é por aí... já lhe digo quando for para virar.
- Mas sabe para onde quer ir?
- Perfeitamente."

Wednesday, December 15, 2004



A contagem decrescente começou. O Colectivo remodela o site oficial, distribui cartazes e anota os discos pedidos. Vai ser bonito, vai...

Tuesday, December 14, 2004

"En todas las ficciones, cada vez que um hombre se enfrenta com diversas alternativas, opta por una y elimina las otras; en la del casi inextricable Ts'ui Pen, opta - simultáneamente - por todas. Crea, así, diversos porvenires, diversos tiempos, que también proliferan y se bifurcan". Jorge Luis Borges, El jardín de senderos que se bifurcan (1941)

Aguardo agora, concentrado, depois de resumir tudo a duas alternativas que examino com cuidado. A bifurcação ocorre no tempo, não no espaço. Resta-me esperar. Dizem-me que a terra tremeu um dia destes. Não dei por nada. Se é verdade que tudo isto é um enorme labirinto, a única solução seria escolher sempre o mesmo caminho. Virar sempre para o mesmo sítio. Suspeito que não existe labirinto nenhum. Que o labirinto não é mais que uma ideia, uma esperança. Uma alternativa ao caos, no qual estaríamos sempre perdidos. Um labirinto, pelo contrário, terá sempre uma saída. E bifurcações. Dir-me-ão que será impossível, que não se podem percorrer dois caminhos ao mesmo tempo. Não estão a pensar correctamente, irei responder... estão apenas a ser lógicos. Quando chegar a bifurcação, serei dois. Nada disto será verdade, correcto, mas isto é o que será recordado depois. Haverá quem se aperceba que algo está errado durante o processo, talvez me veja desfocado, como a personagem do filme de Woody Allen. Com o tempo, essa sensação desaparecerá, que a memória é enganadora e flexível, não se compromete com falhas lógicas. Aguardo ainda, concentrado. Estranha esta bifurcação, que me parece tão familiar...

Monday, December 06, 2004

Colectivo on tour, acto III



O Colectivo de Dijais Não Basta Sermos Bonitos Temos de Ser Duros vai regressar EM GRANDE ao palco da estreia, o Purex Club, no Bairro Alto (entre o Suave e o Mahjong, quando se vai por baixo), já no próximo dia 18 de Dezembro. Já correm boatos da gravação da primeira maquete, já se ouvem reacções duras (não muito bonitas, mas ainda assim duras) ao obrigatório spam (mas do bom!) do dijai Schmichael e há até promessas de substituição dos aviões da Kadoc pelos da tour Em Grande... Isto promete!
Mais informações, como sempre, no site oficioso do evento.

Friday, December 03, 2004

Lacuna: Noun. A blank, a missing portion, especially in a manuscript.

"MIERZWIAK - Ah, Mr. Barish. This is Stan. He'll be in charge of your procedure tonight.
Stan nods professionally.
STAN - Mr. Barish.
JOEL - How exactly is this going to work tonight?
As Mierzwiak talks, the room colors start to fade, Mierzwiak's tone of voice is also affected; it becomes dry and monotonous.
MIERZWIAK - We'll start with your most recent memories and go backwards -- There is an emotional core to each of our memories -- As we eradicate this core, it starts its degradation process -- By the time you wake up in the morning, all memories we've targeted will have withered and disappeared. Like a dream upon waking." - Eternal Sunshine of The Spotless Mind script

O RinoBlog acordou hoje com um visual novo: desprovido de banner, background e fotografias (salvam-se apenas as que estão guardadas no photobucket). Uma cortesia do melhor ISP do ano, que desgraçadamente é o meu. É provável que o email também mude ali no canto superior direito, juntamente com o modem lá de casa, se este estado de coisas continuar. Isto é um aviso, meus senhores...

Wednesday, December 01, 2004

"In bove of I is many sky-beasts, big and grey. Slow is they move, as they is with no strong in they. May that they want for food, as I want a-like. One of they is that empty in he's belly now, he's head it is come off and float a-way, and he is run more quick a-hind, as wants to catch of it." - Alan Moore, The Voice of the Fire (Hob's Hog tale, 4000BC)



Pois eu, hoje, acordei assim. Com o pôr do sol. Cheio de fome, cheio de razão e com uma dor de cabeça decente, como (quase) toda a gente de boa vontade. Com a sensação de que apenas o cérebro primitivo está a funcionar. Da janela da cozinha admiro o céu de fim de tarde, enquanto tomo o pequeno almoço. Movem-se lentas, as nuvens, dir-se-ia que sem grande convicção. Afastam-se. Impossível adivinhar a que distância estão de mim. Uma nuvem tem sempre o mesmo aspecto, seja qual for a distância a que é vista. Enganadora, essa coerência, que nos obriga a imaginar tudo o resto. A ver o que queremos, cheios de razão, quando tudo o que lá está não é mais que uma nuvem...

Sunday, November 21, 2004

Clothe yourself well for the wind...



E saímos. Do Rossio subimos até à Mouraria. As escadas não são muito íngremes, mas subi-as mais devagar do que o costume, distraído com os graffiti que se multiplicam nas paredes. Num deles julguei reconhecer os mesmos riscos que alguém deixou no meu carro, a mesma marca, a mesma assinatura. Será possível? Ou isto só me terá ocorrido depois, já estava eu no Bairro? Não tenho a certeza. Em conversa com o taxista, na viagem de regresso, recebi apenas um encolher de ombros e uma frase enigmática. Não percebi se me dava razão ou se ignorava por completo aquilo de que lhe falava. Parecia mais concentrado em bater o recorde Incógnito - bolos do Chile que pertence (ainda) ao Sr. M, um taxista que tinha fugido da tropa há muitos anos atrás e que parecia continuar ainda em fuga. "Ouço às vezes umas vozes na cabeça, sabe? Vi lá cada coisa..." Espirro novamente, vou buscar o rolo de papel à cozinha e percebo finalmente como fiquei assim. Entre o Tóquio e o Texas, de telemóvel na mão, o casaco que ficou lá dentro... Pois, deve ter sido isso... Aa... Aaaa... Atchim!

Wednesday, November 17, 2004

O homem voltou! (outra vez)



Sim, quem mais faria um 3º Blog?!
Estratégia de marketing complexa, inspiração budista ou fruto do simples acaso, a terceira encarnação do blog que já se chamou undertheblade apareceu subitamente há dois dias atrás, eram quatro e cinquenta da tarde. Ainda é cedo para fazer prognósticos, mas estamos todos a acompanhar atentamente a situação e a actualizar os links sempre que necessário...
Bem-vindo ! (outra vez)

Sunday, November 14, 2004

São mais dois kalashnikov!


Um com limão, açúcar e absinto a arder.
O outro com laranja, sem absinto, o pacote de açúcar à parte.
Brindemos! À tua! Parabéns !

Thursday, November 11, 2004

STOP 0x000000C5

Da janela do meu gabinete aqui no laboratório vejo a ponte, o eixo Norte-Sul, as torres de Lisboa e o Metropolitan Hotel. Lá em baixo, um parque de estacionamento cheio de ervas daninhas e pedaços de árvores arrancadas pelo vento. Está vazio, por estrear. Melhor assim. É da maneira que não acerto em nenhum carro quando mandar o computador pela janela. A única dúvida que tenho é se o volto a montar, se ponho lá dentro tudo o que já tirei e que está agora em cima da mesa e espalhado pelo chão, para se estatelar completamente lá em baixo, ou se mando uma peça de cada vez. Sempre é o terceiro andar, a escolha não é indiferente. Não percebi ainda qual é o problema dele, mas desisti de tentar. Consegui guardar noutro sítio tudo o que lá tinha, ia copiando enquanto tentava perceber que mensagens de erro eram aquelas, mas a situação complicou-se rapidamente. De um momento para o outro, entrou em coma. Não mais recuperou os sentidos. Tentava reanimá-lo mas ao fim de poucos segundos ficava azul, aparecia uma mensagem de erro qualquer, e desligava-se outra vez. Foi quando o comecei a torturar. Com uma pancada seca abri-o de lado e comecei a tirar coisas. Um leitor de cd's. Um disco rígido. Um módulo de memória. Como o HAL, no filme do Kubrick, ele ia mudando a voz, fazendo barulhos cada vez mais estranhos. Mas nada consegui, a mensagem do ecrã azul era sempre diferente. 0x000000C5, 0x0000000A, 0x00000024. Placa gráfica, IRQ's, page faults. A tortura não funcionava, às minhas perguntas ele respondia com a primeira coisa que lhe ocorria, para ver se eu o deixava em paz. Agora desisti. Nem formatar o consigo. Nada. Lentamente, e com a calma e sangue frio aconselhados nestes momentos supremos de vingança, rodo o trinco para a direita e abro a janela, devagar... É pena já ser noite, gostava de ver o embate lá em baixo...

Tuesday, November 09, 2004

9 de Novembro de 1989

"Só vos dou a nota que querem se me disserem em que dia caiu o Muro", sentenciou o professor de História que desenhava trincheiras no quadro para nos fazer compreender o que tinha sido a Primeira Guerra Mundial. "O muro? Foi há dois anos, foi em Novembro...". Sorriu. "O dia. Quero saber o dia exacto. Procurem jornais, vão à Biblioteca, investiguem...". E lá fomos, eu e o P. M. A Biblioteca ainda ficava dentro da Câmara Municipal, e lá estivemos cerca de hora e meia até encontrar a data, numa edição do jornal Expresso de 1990. "9 de Novembro de 1989. Fixaste?". Fixei.



"- Hallo? Guten nacht...
- Bitte?
- Humm... Charlie Checkpoint, bitte schön?
- Ja. Links und dann (...)"

"- Então, onde fica?
- Esquerda, só percebi esquerda...
- Então, ele não falava inglês? Vou lá eu...
- Não, não! Foi a primeira vez que consegui manter uma conversa inteira em alemão. Não me denuncies agora... Vamos lá!
- Mas lá onde? Para onde?
- Esquerda... Viramos aqui à esquerda... Anda lá..."

Vi o Muro pela primeira vez em Agosto de 1998. Ou o que restava dele. Em InterRail pela Europa durante o Verão, parámos em Berlim apenas dia e meio. Numa Potsdamer-Platz em obras, guardada por gruas gigantescas, uma exposição de fotografias e o Kennedy, com quatro microfones à frente, "Ich bin ein Berliner". Perto da Ostbahnhof, pedimos indicações. Já era de noite quando o encontrámos. Não me pareceu muito alto, estava cheio de graffiti, assinaturas, nomes e datas. Juntámos as nossas, mais o nome de uma banda. Era a nossa contribuição, com 9 anos de atraso... "All free men, wherever they live, are citizens of Berlin..."

Monday, November 08, 2004

O jogo

"Um verdadeiro gentleman não deve mostrar emoção, mesmo que perca tudo o que tenha." - Fiodor Dostoievsky, O Jogador



"Estás a suar ou é impressão minha?" Só me responde depois. Primeiro joga e fica a observar, concentrado na bola e no ângulo que fez com a tabela. Deu efeito a mais, foi a minha sorte. A bola branca passa a milímetros da preta, parada ao lado do buraco como se estivesse à beira de um precipício. Um toque bastava para o jogo acabar. "Impressão tua. O giz, onde está?" O giz está aqui à minha frente, mas só respondo algum tempo depois, concentrado na bola e no ângulo que tenho de fazer para a deixar do outro lado. Só tenho alguma hipótese de ganhar este jogo se ele falhar uma segunda vez. "Não queres ir lá abaixo buscar buscar mais duas cervejas?" Ouço-o descer as escadas de madeira em espiral enquanto imagino trajectórias em cima do pano verde. Isto não está com bom aspecto. Lá em baixo, no bar, o Sr. M. sai de trás do balcão e vai buscar dois copos à arca congeladora, onde normalmente estariam os gelados da Olá. Só serve cerveja nestes copos gelados, para a manter fria. Estamos em Alfama, claro. "O teu jogo não está com muito bom aspecto..." A pressão psicológica e a provocação fazem parte do jogo. Há oito anos atrás, sete jovens carregaram uma vespa, uma BWS, uma target e uma scooter com mochilas e partiram rumo à Lousã, rumo a uma casa restaurada numa aldeia isolada no meio da Serra. A aldeia tinha um único habitante, um pintor. A casa tinha um gira-discos, uma rede para dormir e... uma mesa de snooker. Durante dois dias jogou-se o primeiro torneio de snooker entre todos eles. No meio de uma aldeia isolada pela serra, um torneio de snooker torna-se a coisa mais importante do mundo. É a final desse torneio que é repetida quase todas as semanas nesta mesa, em Alfama, oito anos depois. O campeão em título defende o estatuto contra o segundo classificado. A provocação faz parte do jogo... "Tu também não falhavas essas bolas há oito anos atrás." Ele responde qualquer coisa, mas só o vou ouvir daqui a bocado, quando acabar de jogar. Só vejo uma bola e uma tabela à minha frente. Um ângulo complicado. Tem de ser ali, naquele ponto invisível que só eu vejo... é ali que tenho de acertar. Sustenho a respiração, para não alterar o movimento do taco, e jogo. Não é nada fácil manter o ar de gentleman e não mostrar emoção nenhuma centésimas de segundo depois, quando me apercebo que também vou falhar por milímetros...

Friday, November 05, 2004

Sushi night



"- Assuka, Mahjong...
- E agora malta, vamos para onde?
- Tóquio, claro!
- Pois, tem lógica..."

Monday, November 01, 2004



So many times I've overfloated
So many faces come and go
I played my cards into the sun
and tried to work out
What you are to me

Been here before
A million open doors
Only one would set me free
So I saw it against the wall
And tried to work out
What you are to me, to me...

To me......

Beside my eyes
The answer lies
Something i can't see
Another day
Another way
So they say to me, to me

To me...


Unkle - What are you to me [Never, Never Land, 2003]

Saturday, October 30, 2004

"Mas porque é que não me deixam ir embora? Eu não fiz nada!"
Não tinha aspecto disso. Blusão verde, calças castanhas rasgadas atrás (terá sido queda ou foi por ali que o agarraram?), uma mala branca na mão direita que ele insistia ter comprado hoje. "É minha, é!" Um dos polícias sorri, o outro começa a perder a paciência. "Se não te calas, algemo-te lá dentro". Fecha-se a porta de vidro, que ele não se cala. Continuamos nós a descrever a mala que desapareceu à P. Se fosse branca, se fosse aquela, estava o problema resolvido, mas não. Ninguém viu quem levou a mala do Suave, mas não tinha sido este de certeza. Acalma-se entretanto, e deixam-no sentado sozinho, à entrada da esquadra. "Central, liguem para a CGD, para cancelar um cartão de crédito". Demora tempo, mas tudo funciona e parece moderno. A máquina de escrever deu lugar a um computador, o telefone não pára, entra mais um polícia na sala, quer mandar um fax "lá para baixo". Ouve-se um estrondo à entrada, o cinzeiro preto metalizado, ali encostado à porta, rolava pelo chão. "Deixem-me ir embora!" Três guardas fardados de dois metros de altura sobem as escadas em segundo e meio. Um outro aparece, vindo não sei de onde e levanta-o pelo braço. Levam-no lá para dentro, daqui a pouco um deles volta com um passaporte espanhol que estava dentro da mala. "Este já está caçado! Vocês acreditam que ele mandou-se para o nosso carro aos pontapés? Andava aos pontapés a todos os carros que estavam parados ali no Camões... nós encostamos ao lado dele... e ele começa aos pontapés! Nem viu que o carro era da polícia! É da droga..." O que escreve no computador abana a cabeça, encolhe os ombros como se não fosse nada de especial. "Diz-me portanto que as chaves do carro estão também dentro da mala...". Na parede ao canto da sala, em cima de um pedestal, uma pequena estátua chama-me a atenção. Uma deusa, parece, com uma espada na mão direita, está prestes a atacar um homem que pisa com o pé esquerdo. Não é a Justiça, que essa tem uma venda nos olhos e pratos de uma balança nas mãos. "Pronto. Já está. Olhe, pode ser que o que lhe roubou a mala comece também para aí aos pontapés... Se fossem todos assim apanhavamo-los logo..." E com a mão faz um movimento brusco, como se fosse ele a estátua a decepar o culpado... Não é a Justiça. É Samael, anjo patrono de todos os que lutam num campo de batalha, símbolo da severidade de Deus. Da vitória sobre as adversidades. Vamos lá ver...

Thursday, October 28, 2004

"I am not sure that I exist, actually. I am all the writers that I have read, all the people that I have met, all the women that I have loved; all the cities that I have visited, all my ancestors..."



«(...) To talk closely to Jorge Luis Borges is to track him through a labyrinth of his pasts experiences and attitudes, and the walls that one encounters in the search might be painted in unexpected ways. These may furnish clues or merely diversions in the pursuit, but to understand Borges at least partially is to realize that these clues and diversions are the Borges. We must not expect to find Borges the same each time. There is not one Borges, but many.

This is the Jorge Luis Borges whom the Artful Dodge encountered on April 25, 1980»

"Nothing, nothing, my friend; what I have told you: I am not sure of anything, I know nothing... Can you imagine that I not even know the date of my death?"
[Borges rests in the labyrinth. photo taken from Borges and Kodama Atlas - Crete, 1983]

Thursday, October 21, 2004

Cabala

É tudo verdade! Estamos todos a ser manipulados, enganados. A realidade que nos vendem é falsa, nada do que verdadeiramente se passa chega ao nosso conhecimento. A censura voltou e assume proporções alarmantes. É já a segunda vez que falta a luz aqui em casa quando o Benfica está a jogar. Da primeira tinha sido um incêndio. Nessa altura não desconfiei de nada, o método tinha sido tosco, talvez apenas um ensaio. Mas desta vez não. Desconfio que o Governo tem mão nisto. Mal o Nuno Gomes marca o segundo golo, a luz vai abaixo. Meia hora depois, alguém com um rádio ligado avisa da tragédia. Está empatado o jogo. Um improvável 2-2, e eu começo a desconfiar. Muito conveniente, este apagão. Mas o aviso desta vez era bem claro, impossível ignorar os sinais. Vejo mão de algum ministro no meio disto tudo. Ordens superiores, pois claro, um sinal dos tempos que aí vêm. É que desta vez a luz só faltou do lado esquerdo do prédio... Do lado direito estava tudo bem, só não tinham televisão. Parece que a antena do prédio era alimentada também pela parte esquerda do edifício. Agora já não é. "Tudo em ordem. Só falta agora aquele prédio ali na António Arroio", disse o técnico da EDP antes de se ir embora. "Era só um problema de fase..." Pois.

Monday, October 18, 2004

Na rádio, hoje de manhã a caminho do lab, enquanto esperava que o sinal ficasse verde...

- ...em linha no forum TSF, está a ligar de Faro. Bom dia.
-
(voz arrastada) Foi em mil novecentos... novecentos e trinta que Einstein ganhou o nobel da Física. Não pela re... revolução que impôs na Mecânica Newtoniana, e que mudou (pausa) séculos de pensamento marcados pela queda de uma maçã, mas pela relatividade. (nova pausa, mais alto, agora) Primeiro restrita, depois generalizada, a acção da gravidade, (embalado) força que tudo une e que...
- Lembro o nosso ouvinte que o tema do Forum é o resultado das eleições nos Açores e Madeira...
- inalterada a velo... a velocidade da luz. Os gravitões, que por todo o lado viajam,
(pausa, voz grave) por terra deixaram os alicerces da mecânica antiga. E dos escombros da velha nasce a nova, a relativa. Relatividade generalizada (embalado outra vez) a todos envolveu e relativizou, a todos tocou. (pausa triunfante) Tudo é relativo! E neste presente em que...
- Perdoe-me o trocadilho, caro ouvinte, mas relativamente às eleições...
- ...prisioneiros todos nós da lei da Física que tudo relativiza e tudo contemporiza... São nossos também os gravitões que se propagam, não já no éter, é certo, mas ainda assim...


Não me lembro do resto. É pena porque no final tudo o que ele queria era o prof. Marcelo de volta na TVI.

Saturday, October 16, 2004

"As long as five years ago I had seen the basics of things like the paint brush program, being able to draw on screen, to color on the screen. I had seen that and thought there is an application here somewhere for comic books. About four years ago, the first computer companies came to see me. Eventually, about every four months someone would show up my doorstep, but they had nothing concrete to offer. Most of the computer companies had the same scenario. If you can get your artists to close up the black lines you can use this. The trouble was, if there was a break in the black line, color would leak through the opening and down most of the page. I told the computer companies to come back when they had a solution."
[Bob Rozakis, publishorial on Doom Patrol #21, DC Comics - April 1989]

Chove lá fora. Um toque numa tecla e o Doom Patrol #21, que ocupava todo o ecrã do meu portátil desaparece numa fracção de segundo. Fica só o Photoshop, com imagens de células e diagramas e janelas ainda em branco, onde não tarda nada irão aparecer mapas de interacção de proteínas e esquemas coloridos do que julgamos ter acontecido com elas. Não é que chova assim tanto lá fora, os outros devem estar a jogar futebol de certeza, mas a tarde hoje está reservada para o desenho. Olho para a folha de papel reciclado onde planeei a apresentação. Uns quadradinhos com umas letras e rabiscos lá dentro, parecem um rascunho de banda desenhada, mas feito por um miúdo de oito anos que pegou pela primeira vez numa caneta. Depois para o computador outra vez. Fizeram muito mais, essas "computer companies", do que resolver o problema da cor que fugia pelas aberturas nas linhas pretas. Nunca, se não fosse o computador, eu conseguiria desenhar algo parecido com o que vejo aqui à minha frente...

Monday, October 11, 2004

Foi...



O Colectivo continua a arrasar e a fasquia está cada vez mais alta.
Infelizmente, por razões técnicas que incluem o mau funcionamento da net aqui no laboratório, mas que passam também pelo resultado do esforço desenvolvido por estes rapazes, não me posso alargar em grandes descrições. Tinha para aqui um post-it amarelo que não chegou a ser entregue ao dijai Schmichael, por motivos alheios à minha vontade, mas não o encontro agora. Prometo devolver a moeda de um euro para os discos pedidos assim que me lembrar de quem ma tinha dado. Este blog segue dentro de momentos...

Friday, October 08, 2004

"Entrem... entrem... perguntem tudo o que quiserem!"
A fita ainda estava a rodar, enrolava-se em cima de um prato redondo, maior do que eu imaginava. O processo deve ser delicado, que o nosso anfitrião não tirava os olhos dela. Mas fazia-nos sinal com o braço, tinha-nos visto pelo canto do olho...
"Podem entrar... estejam à vontade!"
Não é muito grande, a cabine de projecção da sala 3 do King. O espaço é quase todo ocupado por dois projectores enormes, mais um sistema de pratos onde a fita acaba agora de se enrolar. Lá dentro sente-se o calor das lâmpadas de projecção. Temos de baixar a cabeça enquanto andamos, para evitar as condutas de ar que as arrefecem.
"Estas lâmpadas são de um gás chamado Xenon. Temos de ter muito cuidado com elas, porque o gás provoca cegueira. Contaram-me que uma vez no São Jorge um colega ficou cego com uma que explodiu. Ouviu-se no edifício inteiro, a explosão..."
Não deverá existir castigo pior, para um projeccionista, do que ficar cego. V. olha com respeito para a máquina com que trabalha horas a fio. Conhece-lhe todos os truques, explica-nos com orgulho indisfarçado como tudo funciona. Conta-nos tudo o que fez na última hora e meia para que nós, lá em baixo, do outro lado daquela pequena janela de vidro, pudéssemos estar num outro mundo, sonhar com a ilusão das imagens...
"Trabalho dia sim, dia não. O ano todo. É um trabalho muito duro, mas..."
... mas é uma paixão, também. É preciso gostar muito de cinema para passar ali o dia todo.
Sempre gostei do King. Pelos filmes que só ali passam, pela ausência de pipocas e de conversas durante o filme. Por ser no fundo, um dos poucos locais onde se vê realmente cinema. E onde se gosta de cinema.
"Este projector aqui só passa filmes alemães. Tivemos de o comprar de propósito, porque a fita alemã tem 16 mm, é diferente das outras..."
Assim vale a pena.

Thursday, October 07, 2004



Um erro tipográfico. Dois. Consoantes trocadas, é preciso um olho treinado para as encontrar. A maior parte das vezes passam despercebidos estes erros, que as palavras são lidas como um todo, e não letra a letra. Mas estes estão muito próximos, não fazem sentido. Não nesta frase, de qualquer maneira. Esta parte necessitava de ponderação, devia ter sido relida mais do que uma vez. Impossível, alguém escrever isto e não reparar num dos erros. Impossível. A não ser, é claro, que ninguém o tenha escrito. Mais um documento falso. Estão a ficar cada vez mais difíceis de identificar. Lá fora recomeça a nevar, é a quinta vez desde Julho. Mais dois dias e tinha ganho qualquer coisa, mas assim não. Tão cedo não volto a jogar no tempo. Li no outro dia que no início do século passado ainda se conseguia prever o tempo e que tudo mudou por causa da poluição. Parvoíce. Essa história deve ser inventada, como as outras. O tempo sempre foi assim, imprevisível como a lotaria. Vi uma vez um jornal, num e-museu. Lá estava, na última folha, a previsão do tempo. Mesmo ao lado das previsões astrológicas para a mesma semana. Não, a mim não me enganam. Tento outra vez. A um breve olhar para o símbolo de procura, surgem mais uns milhares de documentos. Tudo o que foi escrito, tudo o que foi filmado, documentado, tudo o que foi criado está ali. Tudo. Já não se chama web ou net. Mas a publicidade continua lá. "Conheça a sua vida anterior". Pois. A nova moda. Por um preço módico descobrem o que eu andava a fazer há mais de cem anos. Basta um cartão de crédito e acesso ao meu e-life-log para descobrirem uma encarnação minha, algures no século passado. Há sempre um e-life-log suficientemente idêntico ao nosso, excepto claro, o facto de só existir na sua versão primordial: um blog. Tudo automatizado, claro, tudo feito por um programa de computador. Como a maior parte dos documentos que tenho diante de mim. Todos falsos, ou quase. É difícil descobrir os autênticos. No início, ainda era fácil, eram os que tinham erros. Um computador não gerava textos com erros. Mas foi uma questão de tempo até isso ser corrigido. E o que começou como uma brincadeira, tornou-se uma epidemia séria. Poucos conseguem distinguir como eu o que é verdadeiro ou não. Acreditam em tudo, ou pior ainda, em nada. Ninguém sabe o que vai acontecer quando a distinção já não for possível. Escrevo isto e percebo que não faltará muito para que seja também ignorado, porque julgado falso. Volto atrás e altero algumas coisas, deixo erros propositados, espero que subtis o suficiente para que se possa perceber que foram obra de alguém, e não programados. Lá fora há um alerta de ciclone... do andar de cima, ouço o idiota do vizinho a gritar de satisfação. Há sempre os sortudos...

Monday, October 04, 2004

Sunday, October 03, 2004

in der Unterwelt

"Through the weightless throng, and the ghosts that had received proper burial, he came to Persephone, and the lord of the shadows, he who rules the joyless kingdom. Then striking the lyre-strings to accompany his words, he sang..."
[Ovídeo, Metamorphosis, livro X:1-85, Orpheus e Eurydice]


Entro sozinho. Não são muitas e não as distingo a todas, no meio do fumo e da pouca luz, mas sei que não conheço nenhuma daquelas personagens. Tanto me faz, ainda é cedo. Encosto-me a um canto, bebo calmamente a minha cerveja. Debaixo da bola de espelhos dança uma rapariga de olhos fechados, é-lhe indiferente que seja a única a estar ali. Não se vai afastar daquele sítio, dança como se estivesse rodeada de pessoas que não estão lá. Ainda. Ao meu lado, sentados debaixo do cartaz dos Xutos, dois vultos olham distraidamente para o casal sentado ao balcão. Ele bebe vodka, ela tira discretamente um cigarro e fica à espera, olha agora para as mãos dele. Afasto-me para o lado para deixar passar um dos que têm a t-shirt negra que diz staff, veio buscar umas garrafas ali abandonadas. Atrás dele aparece a rapariga que estava ao balcão, irritada com o cigarro que não foi aceso. Passa ao lado da cabine do dj, vai voltar pouco depois. Um dos vultos no sofá abana a cabeça, o outro sorri. Já conhecem os dois aquela história...

Aquele, portanto, só pode ser Hades. Gordo, rodeado de aparelhos de ginástica e halteres. O inferno, nesta versão da ópera de Offenbach, é um health club. Cantam em italiano, mas nem a italiana ao meu lado percebe o que dizem, julga que ouve francês. As legendas que são projectadas por cima do palco também não me servem de nada, estão em alemão. Tal como o guia que me deram à entrada da Opernhaus, em Mannheim. Tanto faz. "Orpheus in der Unterwelt". Orfeu e Eurídice. Já conheço a história...

"- Tou?
- Onde é que tu estás pá?
- Tóquio. Vim logo para aqui.
- Eh pá, nós viemos para o Mahjong. Como é que isso está?
- Quase vazio. Bom som, mas vazio.
- Eh pá, vem cá ter! Mas o que é que tens estado aí a fazer?"

"- Did you like it?
- Uhmm, yeah.
- Even if you didn't understand the language?
- Well, I knew the story, more or less. So I was inventing the dialogs and trying to make sense of it all.
- And did it work?
- No. There was always something happening that would destroy my story. That didn't make sense.
- But you still liked it.
- Well, yeah. Because then I had to find another story. I had to imagine everything. It's like a puzzle, you see..."

Wednesday, September 29, 2004

The Village

"Bridge-in-the-Valley. Stupid name. (...) My wager is the willeins in this settlement don't call it by that name at all. My wager is they call their place 'The Willage', as do all the other dull-wits in their dull-wit settlements along the track. 'Why, life be good here in the Willage, be it not old girl?' 'Aye, may it be, but it is better in a place up north they call the Willage, where my mother has her people.' 'Well, the Willage is a good place if you're wanting oxen, but if you want pigs you're better going to the Willage'." - Alan Moore, The Voice of the Fire (The Cremation Fields tale, 2500BC)

"- Shyamalan?
- Sim, o do Sexto Sentido. E do Unbreakable, não me lembro do título em português. Mas é o melhor dele. Depois há o Signs, mas desse não quero nem falar. Muito mau.
- E este, será bom?"

Escondida atrás de uma árvore, a heroína do filme (que é cega) aguarda uns segundos. Não muitos, apenas os suficientes para deixar o espectador ansioso, que as regras do género são claras e Shyamalan estudou-as todas. Um dos que anda com uma capa vermelha, "those of whom we do not speak" viu-a. Estava mesmo ali atrás, ainda distante, ela escondeu-se. Adivinha-se o confronto, que ela não tem hipótese de fuga. Vira-se lentamente para a direita e estica a cabeça, parece espreitar, embora seja incapaz de ver seja o que for. Devia antes inclinar a cabeça para nós, aproximar o ouvido direito e não os olhos. Mas isso iria desviar o olhar do espectador para os olhos dela, não para o local para onde parece olhar e onde vai inevitavelmente aparecer o da capa vermelha. As regras são muito claras. Lá está ele. De costas, voltado para a esquerda, por motivo nenhum que não seja mostrar o que de mais assustador tem a personagem. Uns espinhos nas costas. Depois do grito, ou então do som de orquestra exagerado, ou dos dois (aqui as regras são claras, mas flexíveis) começa a perseguição. Nas séries B e nos filmes mesmo maus aparecem os dois, o perseguido e o que persegue, mas nos bons só aparece a vítima. O pior medo é aquele que se adivinha, não o que se vê, estudou Shyamalan. A perseguição lembra-me Blair Witch Project. Filmar de frente a personagem em vez de filmar o que ela vê não foi o suficiente para me evitar esta recordação. Cega, mas correndo mais depressa que o da capa vermelha, ela encontra um troco caído de uma árvore e recorda aquele sítio onde já esteve. "Eh pá, Nuno, se ela vai ficar ali à espera dele, de braços abertos, para depois se desviar no último momento e ele cair naquele buraco, eu desisto de tentar encontrar algo de bom. Isto é mesmo mau". Pois é.

Mas eu percebi. Percebi tudo. A parábola da aldeia isolada, cercada pelo seu próprio medo. Medo de uma ameaça que não existe mas que é a sua salvação, porque os mantém afastados do Mal. Isolados do exterior, inocentes e puros. E bons. O maniqueísmo de uma América que se quer inocente outra vez. O 11 de Setembro, pois claro. Mas também a renúncia à civilização e ao progresso, o retorno às origens, a um mundo mais espiritual, que desgraça maior não há que a nossa ciência e materialismo que nos afastam do paraíso perdido. Eu percebi. E se esta parábola me irrita e a mensagem que transmite me provoque repulsa, não é por isso que eu não gosto do filme, que podia só não concordar com ele. O que eu não gostei, mesmo nada, foi da lentidão da fala e dos movimentos dos aldeões, do ar ridiculamente solene de todas as personagens, do enfastiante pormenor de, em todas as cenas a partir do meio do filme, a heroína acabar a chorar (todas, sem falha, a partir da declaração de amor feita no alpendre). E se isto não parece mau, é porque não é realmente o pior no filme. Mas é o que está lá para nos iludir a todos, para nos fazer crer que tudo aquilo é muito profundo.

"-E então, o filme era bom?
- Dos piores que vi este ano.
- A sério?
- Bom, já vi piores. Mas esses ao menos eram genuinamente maus. Este não. Este quer que o levemos a sério..."

Thursday, September 23, 2004

próximo fim de semana


Tóquio ou Texas?

Tóquio, ! Parece que a malta Bitoke está (ou vai estar) em digressão por terras belgas, por isso não vai haver bailarico no Texas...
No Suave ou na Bicaense, lá estarei... Em grande, pois claro!

Tuesday, September 21, 2004

Alfama

"somos comparáveis ao feiticeiro que tece um labirinto e que se vê forçado a errar nele até ao fim dos seus dias" - Jorge Luís Borges, Artificios (1944)

Subimos e viramos à esquerda, depois à direita. Depois voltamos para trás e paramos. Só por uns instantes. "O Wim Wenders andou a filmar por aqui. Aquelas escadas ali, vês?". Esquerda outra vez. Estamos a descer. O percurso repete-se, mesmo que não seja de hoje. Ao fim de pouco tempo todas estas ruas se tornam familiares. As memórias também. "Já aqui estivemos, não já?". Difícil de dizer. O labirinto muda com o tempo, quando não mudamos nós. Um quer começar de novo, esquecer o caminho que fez até chegar aqui. O outro já tentou, mas voltou a encontrar as pistas que tinha deixado há anos atrás, ali à espera dele. O terceiro olha em volta, desconfiado que isto que sente ser intuição não é mais que uma ilusão causada pelo tempo. Ao fim de alguns anos estas memórias tornam-se familiares, as histórias também. "E agora, vamos para onde?". Difícil de adivinhar. Mas o labirinto só muda se não estivermos parados. Seguimos em frente, e subimos outra vez. Da janela aberta de uma casa ouve-se Portishead. Às vezes tudo o que é preciso é uma pequena pista...

Sunday, September 19, 2004

"Orpheus looked at his instrument
And he gave the wire a pluck
He heard a sound so beautiful
He gasped and said O my God
O Mamma O Mamma

He rushed inside to tell his wife
He went racing down the halls
Eurydice was still asleep in bed
Like a sack of cannonballs
O Mamma O Mamma

Look what I've made, cried Orpheus
And he plucked a gentle note
Eurydice's eyes popped from their sockets
And her tongue burst through her throat
O Mamma O Mamma

O God, what have I done, he said
As her blood pooled in the sheets
But in his heart he felt a bliss
With which nothing could compete
O Mamma O Mamma
"

Messiah Ward. Pela décima terceira vez esta noite. Ou então Spell. Ou Easy Money. Ou Abattoir Blues. Foram chegando aos poucos durante o fim de semana, que eu não aguentava esperar até amanhã (também não tinha rivotril aqui em casa...) Mas amanhã, prometo, também vou à FNAC comprar o álbum. Só não aguentava a espera...

Tuesday, September 14, 2004

...e novamente de partida

Mannheim e Heidelberg, desta vez.
Vou só ali ver uns microscópios novos e já volto.
Amanhã à noite já cá estou outra vez...

Friday, September 10, 2004

De regresso...

"Looks like it's going to rain tomorrow... See the clouds there?"
Chovia torrencialmente em Amsterdão na véspera da minha chegada. Mas esta semana o tempo esteve sempre bom. Anormalmente bom. D. suspeita que há uma correlação qualquer com a minha presença na cidade. Já da última vez tinha sido assim.
"It's weird, you know. Always raining except for a week. Both times... Weird..."
Parto daqui a algumas horas para Lisboa. Com resultados animadores no computador e os mesmos tubinhos com DNA com que vim. O tempo, esse, é que parece de facto estar a mudar.
"Yeah, go figure... Maybe you're right... Maybe it's me..."

[Dam, de bicicleta a caminho do laboratório...]

Tuesday, September 07, 2004

O primeiro dia com a bicicleta

Reden bezoek: gevallen; re pols
re pols tem todo o aspecto de ser pulso direito. Portanto gevallen deve ser queda. Ou qualquer coisa parecida com gevallen. A letra de médico é ilegível em todo o lado. De qualquer forma, queda parece-me uma maneira muito simplista e até incorrecta de resumir o que me aconteceu. Na realidade, eu fui atropelado. Abalroado. Placado em início de corrida por um touro holandês sentado numa bicicleta chamado Erik ou Ulrik ou lá o que era. Se quando está em repouso o rapaz deve seguramente pesar mais de cem quilos, em andamento o peso dele supera à vontade o de um touro. Eu fui abalroado. Só depois é que caí, arrastando a bicicleta comigo. Quando me levantei ainda me conseguia mexer com alguma facilidade. Ele tirou os headphones dos ouvidos, pediu desculpa e apertou-me a mão. Não me tinha visto, também não ouviu a campaínha da minha bicicleta. Não tenho a certeza se a dor que sinto e isto que parece ser um osso fora do sítio foram resultado da queda ou do aperto de mão...
Anamnese/onderzoek: r-pols: zwellig (-); X rav serie: geen frachtur
"Riinou Einriiqués". Devo ser eu. Quando entrei no hospital preenchi um formulário em inglês, tudo muito simples, só o nome, morada e aquilo de que me queixava: dor no pulso direito, osso que parece deslocado. Chamaram-me para saber mais detalhes, depois mandaram-me sentar, depois chamaram-me outra vez. Tinha uma médica, agora. Uma médica loura de olhos azuis e dois metros de altura. "So what happened to your arm before? What are these?". Pois. Longa história, a do meu braço direito. Se estivesse partido agora, não seria a primeira vez. Nem a segunda. Por isso mesmo, a preocupação. "Those were a big mess. It happened a long time ago". Direitinho para a sala de raio-X.
Diagnose-omschrijving: contusie pols
Behandeling: geen; zu zwachtsel

Uma contusão. O osso não partiu nem está fora do sítio, daqui a cinco dias isto passa. Perguntou-me se queria uma ligadura, ou uma espécie de tala, mas nem pensar nisso que eu amanhã tenho de transfectar células e só consigo pipetar com esta mão. Gelo é o que eu preciso. Gelo e álcool, que só quando cheguei ao hotel reparei que o joelho esquerdo também não ficou lá em muito bom estado...
E amanhã... só se me roubarem a bicicleta que deixei ali amarrada à ponte é que vou de eléctrico para o laboratório!

Sunday, September 05, 2004

Raadhuisstraat, é onde estou. No panfleto do hotel as janelas dos quartos têm vista para um canal, com uma ponte cheia de bicicletas e um barco a passar por baixo, mas do meu quarto só se vêem as janelas dos outros prédios. De qualquer forma não tenciono passar muito tempo no hotel. Estou mesmo no centro da cidade, e a minha maior dúvida neste momento é se alugo uma bicicleta ou não. Se daqui a alguns dias estiver com uma gripe é porque resolvi andar de bicicleta. Não tem estado muito bom tempo em Amsterdão...

Parece-me leve demais, a mala. Faz-me falta um casaco que ficou perdido numa discoteca nos Açores.
Eu devia era ir dormir, que amanhã tenho de sair de Leiria cedo. O avião parte às duas da tarde.
Amsterdão, amanhã...

Friday, September 03, 2004

"A base da aritmética de Tlön é a noção de números indefinidos. Acentuam a importância dos conceitos de maior e menor, que os nossos matemáticos simbolizam por > e por <. Afirmam que a operação de contar modifica as quantidades e as transforma de indefinidas em definidas. O facto de vários indivíduos que contam uma quantidade conseguirem um resultado igual, para os psicólogos é um exemplo de associação de ideias ou de bom exercício de memória." - Jorge Luis Borges, O jardim dos caminhos que se bifurcam (1941)

- Não tem nada mais pequeno?
- Tenho setenta cêntimos...
- Moedas maiores, não tem? É que eu não tenho moedas pequenas...
- Tenho setenta cêntimos. Uma de cinquenta, duas de dez...
- É que assim... assim não tenho troco.
- Tem aí dois euros.
(silêncio)
- Dou-lhe vinte euros e vinte cêntimos. Você dá-me quinze euros e essa moeda de dois euros.
(olhar desconfiado)
- Tem multibanco?

Wednesday, September 01, 2004

"Um corpo não pode, por si só, passar de repouso ao movimento. (...) É uma propriedade geral da matéria, a que se dá o nome de inércia. Se a matéria dum corpo não pode por si mesmo modificar o seu estado de repouso ou de movimento devemos buscar fora dela a causa do movimento, ou das modificações, que possa experimentar"
[Compêndio de Física para o 4º, 5º e 6º anos dos liceus, por Prof. Álvaro Machado; 1944]

Acordo com o despertador. Desligo-o e volto a adormecer. Não me recordo de nada disto, mas foi o que aconteceu. É a única explicação possível, que eu tenho a certeza de o ter programado ontem à noite. Acordo outra vez, olho para o relógio. É tarde. A partir de hoje é sempre tarde, vou estar sempre atrasado. Mandam agora os relógios, o ritmo mudou de um dia para o outro. Isto que sinto deve ser a inércia, mais forte do que o costume, que o estado de repouso já durava há muito tempo. Resisto, inutilmente. Adormeço. Sonho com uma ilha deserta, com o topo da cratera de um vulcão, sonho que o tempo não corre ainda desta maneira. Acordo outra vez. É tarde, bem sei, não preciso de olhar para o relógio. Estou atrasado. A partir de hoje vai ser sempre assim. Levanto-me e preparo-me para repetir algo que já não fazia há muito tempo. Com o comando da televisão na mão, despejo os cereais para uma taça amarela pequena, depois o leite. Como devagar, sonolento, mudando os canais de três em três segundos. Nunca encontro nada para ver na televisão, enquanto tomo o pequeno-almoço...

Thursday, August 26, 2004

Conversa de Barbearia

"- Então isto, como vai ser?
- Curto. Não muito, mas curto.
(pausa)
- Você não é de cá, pois não?
- Não. Cheguei na segunda. Só cá estou por uns dias.
- Então... e faz o quê? Estuda?
- Uhmm... sim. Sou (engulo em seco) cientista.
(pausa)
- Cientista?
- Sim. (já arrependido)
- Sabe, ainda ontem passou aqui um ovni.
- Um ovni...
- Sim, uma luzes no céu. O meu cunhado viu-as. Sabe alguma coisa disso?
- ...

Monday, August 23, 2004

PT Comunicações. Netcabo. Ministério das Finanças. Via Verde. EDP.
Uma carta para o director de uma empresa que desconheço, mas que deve ter existido aqui em casa.
Mais um restaurante chinês que serve comida para fora. Telepizza. Publicidade variada. Uma carta do banco.

Troco os livros lidos por outros que ainda não li, não mexo em mais nada nas malas.
Tomo um banho e vou-me embora outra vez. O comboio para o Algarve parte daqui a uma hora.
Tudo o resto pode esperar mais uma semana...

Friday, August 20, 2004

Wednesday, August 18, 2004

Açores

"O Público, ainda tem?". São três da tarde. Ou então duas, que eu não tenho a certeza de ter acertado o relógio. O tempo aqui, de resto, corre a um ritmo diferente. "Só tenho o de ontem. O de hoje ainda não chegou, o avião atrasou-se. Venha cá daqui a um quarto de hora". Estamos dentro do hipermercado Modelo, na Angra do Heroísmo (aqui não se diz em Angra, diz-se na Angra). Dizem-me que foi aqui nos Açores que o hipermercado teve de mudar o nome de Continente para Modelo. Por causa da piada. Já ninguém aguentava ouvir que não era preciso ir ao Continente comprar leite, que aqui nos Açores também o havia. Resolvo esperar pelo jornal. Na loja ao lado da tabacaria, vendem-se televisões e rádios. E em todas as televisões colocadas em montras, aqui ou em qualquer rua da cidade, o que se mostra é sempre o mesmo. A tourada. Que não é bem uma tourada. É mais uma largada de touros. Tapam-se portas e janelas com placas de madeira, fecha-se a rua ao trânsito e largam-se os touros, que correm atrás de todos os que lá querem estar até se cansarem. Às vezes também os largam na praia. Isto acontece cada vez que há festas. E aqui há festas de Maio a Outubro, quase todos os dias. É que cada povoação tem a sua semana de festas. Até "vêm gentes de outras ilhas para as festas, quando não vamos nós lá". Por decreto regional, as festas só podem começar a partir das seis da tarde. Aqui trabalha-se até às cinco, e se a festa começasse mais cedo, toda a gente faltava ao trabalho, ou saía mais cedo. E se a festa calha ser na povoação de onde se é oriundo, já se sabe. Uma semana de baixa por motivo de doença. A festa, hoje, é na Agualva. Fica entre os Biscoitos e a Praia da Vitória. "Isto hoje vai ser de arromba, vêm gentes de outras ilhas e tudo, vai tudo para lá!". Pois claro. Vamos nós também.
É meia noite. Ou então onze, tenho de mudar a hora ao relógio. O carro que alugámos tem o farol do lado direito solto. Com os máximos ligados a estrada é iluminada aos solavancos, o efeito não deixa de ser engraçado. "Vai devagar, que pode aparecer uma vaca de repente no meio da estrada". Já não estranho. Aqui pode encontrar-se de tudo no meio da estrada. Nas cidades, aliás, não se estaciona. Os carros param à nossa frente e ali ficam. Toda a noite, se for preciso. Só não podem é parar dois no mesmo sítio, que a estrada ficava cortada. Em Agualva, a festa ainda dura. No pequeno largo da Igreja leiloam-se bolos. Olho em volta e todas as casas têm ainda os taipais. Por aqui passou o touro, horas antes. Na varanda das casas, para além da bandeira portuguesa, mais duas. A dos Açores e a do país que acolheu o emigrante açoreano. Canadá ou Estados Unidos, quase sempre. Entretanto começa o baile. Não se vê ninguém da nossa idade. "Isso a malta jovem está ali na discoteca. É atrás do centro recreativo". É preciso perguntar onde fica, quem não sabe não encontra. Atrás do centro, num terreno descampado pouco maior que o largo da igreja, construíram de propósito uma "discoteca" para os jovens "abanarem o capacete". Toda em madeira, de fora só se vê uma cerca alta. Lá dentro é a surpresa. Dois bares, mesas e bancos (os bancos são troncos grossos enterrados no chão e aos quais foi pregado um assento redondo de madeira) e até uma pista de dança coberta, com cabine de DJ e tudo. Totalmente construída em madeira, improvisada, uma arquitectura tosca, mas genuína. É visível o empenho de toda a aldeia na festa. Na pista de dança, ouve-se Beyoncé. Ou algo parecido. Não se encontra só gente da aldeia. É impossível não reparar nos americanos, de chapéu de basebol na cabeça e roupas desportivas. Gigantes, mais altos e com mais do dobro do peso do que os outros, nós. A base das Lages fica a poucos quilómetros. "Hey Jessica, gimme a beer, will ya?" A Jessica não o ouve, ou não o percebe. Provavelmente nem se chama Jessica, que ela é aqui da aldeia. Peço-lhe eu uma imperial, que eles podem ficar violentos, se não lhes dão o que querem. "You're my man! Thanks pal!" E de um trago, bebe-a toda. A festa continuou pela noite fora. Eram sete da manhã quando regressámos a Angra. Ou então seis...

Saturday, August 14, 2004

ritual

Olho à volta e tento contar quantos somos. Mais de setenta, seguramente. O vento é muito forte, ninguém se preparou para o frio. Agachados, sentados nas rochas ou corajosamente de pé, a meio metro da ravina, todos aguardam. A primeira impressão é sempre de incredulidade. "Parece tirado daquele filme... parecemos os anjos na praia..." Quase ninguém fala, de resto. Limitam-se a olhar, à  espera. À escuta, também. Talvez hoje se consiga ouvir qualquer coisa. Há quem venha todos os dias. Nós só o fizemos no último. É o nosso ritual de despedida. O último pôr do sol de Sagres, na ponta extrema do Cabo de São Vicente...



"Dizem ainda os nativos, segundo Poseidonius, que nestas regiões ao longo da costa do oceano, o Sol é maior quando se põe, e que quando o faz se ouve crepitar o oceano para o extinguir, porque ele mergulha nas suas profundezas."
[Estrabão (séc. I) - livro III, capítulo 1]

Thursday, August 12, 2004

vento


Não há vento em Sagres. Também não chove em Sagres. Compro o jornal e nenhuma das notí­cias parece verí­dica. Algo de estranho se passa, mas não é aqui, de certeza. Em Sagres tudo parece normal. Rotineiro, até. E só isto chega para me deixar intrigado. É que Sagres nunca foi rotineiro. Nem normal. O vento sempre foi forte em Sagres. Omnipresente. Tenho andado desconfiado, nestes últimos dias. Algo se passa...

Sunday, August 08, 2004

A caminho...



Só há realmente um caminho para chegar a Sagres. Pode não ser o mais rápido, ou até o mais seguro, mas uma peregrinação é também isto. O caminho que se escolhe não é menos importante que o destino, e para Sagres, repito, há só um. O da Costa Vicentina. Deixamos para trás o ritmo da cidade, as auto-estradas e vias rápidas. Não há pressa de chegar, que a paisagem é única e a estrada acidentada. Cada vez mais estreita e acidentada, à medida que nos aproximamos do destino. Cada vez melhor. O ano passado não pude seguir pela estrada de sempre. Estava em chamas, a Serra de Monchique, a estrada cortada pelo fogo. Hoje vou voltar a passar por lá. Não sei se faço bem...

Saturday, August 07, 2004


"A good compilation tape is hard to do and takes ages longer than it might seem. You gotta kick off with a killer, to hold the attention. Then you have to take it up a notch, but not blow your wad, so maybe cool it off a notch, and you can't put the same artist twice on the tape, except if some subtle point or lesson or theme involved, and even then not the two of them in a row (...) and... oh, there are a lot of rules. Anyway, I worked hard at this one..."
[Rob, in High Fidelity]

Friday, August 06, 2004


É hoje!
O Colectivo de Dijais Não Basta Sermos Bonitos Temos Que Ser Duros estreia-se no Purex!
Prometem emoção em estado puro, projecções laser e poesia retroprojectada.
Tudo parte de um grandioso espectáculo multimédia, que começa não se sabe bem a que horas...
É ir o mais cedo possível, que ao contrário do que é indicado no cartaz, em caso de lotação esgotada não se irá vender cerveja pela janela. Ao que parece, o Purex não tem janelas...

Thursday, August 05, 2004

"Quem é Morais"

A notícia caiu como uma bomba, aqui no laboratório. Pairava a suspeita entre alguns de nós que algo de estranho se passava, é verdade. Mas ninguém estava à espera disto. Nuno Morais, um jovem investigador português e colega de laboratório que julgávamos estar em Cambridge, é afinal a mais recente aposta do Chelsea! No seu blog, aliás, Nuno começava a dar algumas pistas para o que viria a acontecer... O contacto inicial com o clube terá sido feito no início do mês de Julho, em pleno Euro2004. Em entrevista a uma rádio inglesa, Nuno fala de futebol e da selecção, mas não comenta uma eventual permanência no Chelsea. Os recados para Mourinho, no entanto, não se fizeram esperar, chegando Nuno a expressar algum descontentamento com a indecisão do treinador em chamá-lo para o clube. A recente conversa com Abramovich (que não terá deixado grande impressão no jogador) parece ter sido decisiva para o rumo dos acontecimentos e hoje Nuno assegura que, apesar da "falta de disponibilidade" para escrever, não tem "qualquer problema anímico (bem pelo contrário)". Conseguirá ele conciliar a carreira de investigador com a de jogador de futebol? Aguardamos todos novidades de Inglaterra....

Thursday, July 29, 2004

Comunicado de última hora!


Mais informações no site oficial do evento.

PUB



O homem voltou! Mudou tudo no blog, apagou os posts antigos (o que eu acho mal), criou outro só para as fotos e voltou... "Então não tenho direito a mais um Calvin?", perguntou-me. Pois claro que tem.

Wednesday, July 28, 2004

"It is an old maxim of mine that when you have excluded the impossible, whatever remains, however improbable, must be the truth." - Sir Arthut Conan Doyle,  The Adventure of the Beryl Coronet

Mas o melhor mesmo é perguntar e tirar as dúvidas, em vez de inventar respostas improváveis, aconselharam-me hoje. O impossível, ao que parece, acontece mais vezes do que julgo (concluí eu teimosamente, em vez de o ter perguntado)...

Saturday, July 24, 2004

Bitoke on tour

É a Festa Milagrosa no Abadia Bar, hoje à noite!
A Associação Recreativa Musikaparadançar saiu do Texas Bar e veio parar à Rua Direita, em Leiria. Vai ser sempábrir!

Thursday, July 22, 2004

Sagres

Há quatro anos atrás naufragaram dois barcos de borracha ao largo da costa de Sagres, em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas. A história (que com o tempo foi ganhando contornos surreais) ainda hoje é lembrada pelos pescadores locais como "a coisa mais estranha" que terão presenciado na vida. Mas não terá sido a única. "De há seis anos para cá é sempre a mesma coisa, acontece sempre algo de estranho", assegura uma das vendedoras de perceves da vila. "Uma vez apareceu aí um jipe daqueles antigos... andava tão devagar e fazia tanto barulho que até metia medo à gente. Só os estrangeiros se aproximavam". O filho mais velho do dono da única bomba de gasolina da vila, que prefere manter o anonimato, diz ter conhecido os ocupantes: "Eram três moços, um até vinha a dormir, disseram-me que vinham de longe, tinham demorado mais de oito horas a chegar cá. Ainda ali está a marca do pneu naquele pedaço de terra, pode ir ver." Este ano ainda não terá acontecido nada de anormal, mas tudo poderá mudar dentro de pouco tempo, garante um dos pescadores mais velhos. "O vento está a mudar, os animais começam a portar-se de forma estranha. Não devem faltar mais de duas, três semanas. Eles vão aparecer aí outra vez, isso é certo..."

"Este é o ponto mais ocidental, não só da Europa, mas também de todo o mundo habitado. (...) Artemidorus (que diz ter visitado o sítio) compara-o a um barco; e diz ele que três pequenas ilhas ajudaram a dar-lhe forma, ocupando uma destas ilhas a posição da proa, e as outras duas, onde se pode ancorar com segurança, a posição dos dois ferros de âncora. Quanto a Heracles, diz ele que não há um único templo em todo o Promotorium Sacrum, nem sequer um altar dedicado a ele ou a qualquer outro deus, mas apenas pedras espalhadas por vários sítios em grupos de três ou quatro. (...) E não é permitido, diz ele, oferecer sacrifícios nem permanecer nesse lugar à noite pois dizem os nativos que os deuses o ocupam àquelas horas. Os que o vão visitar pernoitam numa aldeia próxima, e depois, de dia, entram ali levando água, já que o lugar não a tem. (...) Dizem ainda os nativos, segundo Poseidonius, que nestas regiões ao longo da costa do oceano, o Sol é maior quando se põe, e que quando o faz se ouve crepitar o oceano para o extinguir, porque ele mergulha nas suas profundezas."
[Estrabão (séc. I) - livro III, capítulo 1- traduzido da versão inglesa;
orto-fotografia digital disponibilizada por Sistema Nacional de Informação Geográfica]

Wednesday, July 21, 2004

Foi há 35 anos atrás. Ninguém dormiu na noite de Domingo para Segunda-Feira, ninguém conseguia tirar os olhos da televisão. Ninguém queria acreditar no que via. A imagem não era grande coisa, o som também não. O apresentador da emissão especial na RTP, José Mensurado, fazia o seu melhor para decifrar os telegramas que lhe iam chegando, mas a linguagem científica era difícil de entender. Eram longos os momentos em que ninguém dizia nada, em que se mostravam apenas as imagens. Às vezes nem isso, que as dificuldades técnicas eram muitas. Mas ninguém arredava pé. 20 de Julho de 1969. Eram 3 horas e 56 minutos, madrugada já de dia 21 em Portugal. O Homem pisava pela primeira vez a Lua.
Gostava de ter uma recordação desse momento, por mais pequena que fosse. Gostava de ter estado a olhar para a televisão do meu avô, como toda a gente da vizinhança naquele dia. Mas não me lembro de nada disto. Quando eu nasci já o maior feito do meu século tinha ocorrido...



102:44:29 Armstrong (on-board): I got a good spot (Garbled).
102:44:31 Aldrin: 160 feet, 6 1/2 down.
102:44:33 Aldrin: 5 1/2 down, 9 forward. You're looking good.
102:44:40 Aldrin: 120 feet.
102:44:45 Aldrin: 100 feet, 3 1/2 down, 9 forward. Five percent. Quantity light.
102:44:54 Aldrin: Okay. 75 feet. And it's looking good. Down a half, 6 forward.
102:45:02 Duke: 60 seconds.
102:45:04 Aldrin: Light's on.
102:45:08 Aldrin: 60 feet, down 2 1/2. (Pause) 2 forward. 2 forward. That's good.
102:45:17 Aldrin: 40 feet, down 2 1/2. Picking up some dust.
102:45:21 Aldrin: 30 feet, 2 1/2 down. (Garbled) shadow.
102:45:25 Aldrin: 4 forward. 4 forward. Drifting to the right a little. 20 feet, down a half.
102:45:31 Duke: 30 seconds.
102:45:32 Aldrin: Drifting forward just a little bit; that's good. (Garbled) (Pause)
102:45:40 Aldrin: Contact Light.
102:45:43 Armstrong (on-board): Shutdown
102:45:44 Aldrin: Okay. Engine Stop.
102:45:45 Aldrin: ACA out of Detent.
102:45:46 Armstrong: Out of Detent. Auto.
102:45:47 Aldrin: Mode Control, both Auto. Descent Engine Command Override, Off. Engine Arm, Off. 413 is in.
102:45:57 Duke: We copy you down, Eagle.
102:45:58 Armstrong (on-board): Engine arm is off. (Pause) Houston, Tranquility Base here. The Eagle has landed.
102:46:06 Duke: (Momentarily tongue-tied) Roger, Twan...(correcting himself) Tranquility. We copy you on the ground. You got a bunch of guys about to turn blue. We're breathing again. Thanks a lot.
[from Apollo 11 Lunar Surface Journal, July 20 1969]

Monday, July 12, 2004

"This thing of ours"



"Bobby: You know, Quasimodo predicted all this.
Tony: Who did what?
Bobby: All these problems. The middle east, the end of the world.
Tony: Nostradamus. Quasimodo's the hunchback of Notre Dame.
Bobby: Oh, right, notredamus.
Tony: Nostradamus, and Notre Dame. It's two different things completely.
Bobby: It's interesting though they'd be so similar, isn't it?
Tony: One's a fuckin' cathedral!
Bobby: Obviously, I know, I'm just sayin'. It's interesting the coincidence. What, you gonna tell me you never pondered that? The back thing with notre dame?
Tony: No!"
[The Sopranos, episode 40 (Season 4): "For All Debts Public and Private", 2: 22h30]
ou como a excepção confirma a regra, e se há momentos em que não há seguramente nada mais interessante para fazer do que ficar a ver televisão, este é um deles...

Saturday, July 10, 2004

Thursday, July 08, 2004

ja nej avbryt

(cenas da vida de alguém que recupera computadores de vez em quando)
"- Tenho aqui um desafio para ti...
- Então? Virus?
- Não sei. Mas podes formatar tudo. Preciso é dos documentos que aí estão.
- Ok. Melhor assim. Deixa-o ficar aí. Tens aí o carregador?
- Sim. Toma. Deixo tudo contigo.
- Ja, nej, avbrypt?? B. isto está tudo em sueco!!
- Eu disse que era um desafio..."

Sunday, July 04, 2004

"A bad beginning makes a bad ending" - Euripides, Æolus frag. 32 (425 AC)

Thursday, July 01, 2004

Euforia

Estamos na final!



Ou se calhar a final foi mesmo com a Inglaterra, decidida a penaltis. Trocaram a ordem dos jogos, dá essa sensação. Já só falta um, mas a festa é cada vez mais nossa! A noite de ontem foi de euforia, outra vez. Caiu a Holanda e sem marcar um único golo. Marcámos nós por eles, que isto dá para tudo. E que belo golo o de Jorge Andrade, sem hipótese para Ricardo. Mas o de Maniche... que assombro! Um golo do outro mundo, festejado duas vezes no sítio onde eu via o jogo porque da segunda vez ninguém se apercebeu que ainda durava o intervalo e que aquilo era uma repetição. Grande Ricardo Carvalho, a acabar o jogo sem uma única falta assinalada, depois de ter vulgarizado van Nistelrooy, Makaay e van Hooijdonk. E Figo! Grande Figo, o melhor em campo. Temos equipa, pois claro que temos! Venha a final! Tenho é de arranjar outro cachecol, que o meu ficou perdido ontem, algures entre o Marquês de Pombal e o Bairro...

Tuesday, June 29, 2004



Estava no sítio certo à hora combinada. "De qualquer modo, era o que estava escrito", disse-me com uma convicção inabalável. Não tinha a certeza se era um louco ou apenas alguém a tentar chamar a atenção. Tinha, no entanto, uma história interessante para contar. E isso é algo que não aparece todos os dias... "Sim, é estranho, eu sei. Mas todas as histórias lhe parecerão estranhas se olhar para elas da forma correcta. E esta não é menos verdadeira por isso". Impressionava a serenidade no olhar, a certeza nas palavras. Era como um actor a desempenhar um papel. Respondia a cada pergunta que eu fazia como se já estivesse à espera dela, como se tivesse lido o diálogo no argumento de um filme ou numa peça de teatro. De certa forma, era mais ou menos isso que se passava, disse ele. Desafiei-o. Perguntei-lhe se sabia o que eu ia perguntar a seguir, se também isso estava escrito. "Claro que sim", foi a resposta. "Pois se fui eu que o escrevi..."
E contou-me então a sua história, a incrível história que me tinha feito deslocar até aquele remoto local, só para conhecer autor de tamanha loucura. Não tenho a certeza de a recordar na totalidade. Talvez seja melhor assim.
K. tinha um blog. Começou, como muitos outros, por escrever sobre coisas mundanas, assuntos triviais. Queria escrever um diário que um dia lhe lembrasse de quem ele tinha sido no passado. Não demorou muito tempo, no entanto, a perceber que a memória é frágil e fácil de manipular e que algumas pequenas alterações no texto inicial pudessem talvez mudar as suas recordações futuras. A isto se dedicou com algum sucesso durante poucos meses, mudando pequenos detalhes, às vezes alterando apenas a hora em que tinha sido escrito o texto. Escreveu em certo post rasgados elogios a um filme que nunca vira, misturando esta história inventada com uma ida real ao cinema na companhia de amigos. Não foi para ele uma surpresa quando semanas depois todos o que o acompanharam se recordavam de ter visto o filme errado. Um dia, no entanto, enganou-se na data do post. E escreveu sobre algo que nunca acontecera, uma memória falsa de uma conversa que nunca existira, publicando-a... com a data do dia seguinte. O resto adivinha-se. "À sensação de deja vu seguiu-se uma forte dor de cabeça, à medida que ouvia as palavras que tinha escrito no dia anterior, exactamente as mesmas palavras, serem proferidas pelo meu interlocutor. Um arrepio de frio percorria-me o corpo, estava paralisado com medo..." O medo desapareceria com o tempo, era agora um homem sereno e determinado aquele que tinha à minha frente. Decidido a acabar com tudo aquilo. "Como pode adivinhar, já me aconteceu de tudo um pouco. Escrevi para mim próprio uma absurda quantidade de futuros diferentes, julgo que os vivi todos. Isto tem de terminar." Fez uma pausa longa, estudada. "Contei-lhe tudo isto porque não podia suportar a ideia de cair no esquecimento total. Sei bem que ninguém acreditará na sua história, nem mesmo você. Nem o meu nome recordará. Chamar-me-á K. de certeza, lembrar-lhe-ei Kafka. Suponho que tudo isto é um bocado kafkiano, não?". Olhou para o relógio e sorriu. "É agora." E desapareceu de repente, assim mesmo, sem deixar rasto, como uma personagem de um conto fantástico que ele próprio terá escrito...

Friday, June 25, 2004

The day of the game

"- This day you will not forget. Ten, twenty years from now you will remember the day of the game and you will remember this swedish guy that was talking to you. This is amazing, this... Here's to Portugal!
- Where are you from?
- Göteborg! Ever been there?
- Yeah.
- Gonna get another beer. See you in the final, man!
- See ya!"



"- Olha ali outro. Espera aí, espera aí... Hey man! Great game! Great game! It could have gone either way... Well, have a nice trip back home! Bye bye!
- Ainda não foi desta que falaste com um hooligan...
- Fair play, pá! Quais hooligans, qual quê... são educados, eles. Olha outro! Hey man! Great game!
- Guarda-me o cachecol, N. Vou lá acima...
- Vais subir?
- Vou."



"- Bairro?
- Pode ser. Nunca vi isto assim, pá... Olha, aqueles são checos...
- Bora lá ter com eles... Tudo isto por causa de um jogo de bola, é impressionante.
- É não é? Por causa de um grande jogo de bola. Olha ali mais suecos...
- Já valeu a pena, é o que te digo. Só por esta festa, já valeu a pena!
- Pela festa e não só! A recessão, N.! A recessão acabou hoje. O Ricardo acabou com os nossos problemas todos.
- Eh pá! Maravilha! Isto agora é que vai ser!
- Já me sinto mais civilizado e tudo...
- Olha outro. Hey man! Great game! Great game!"



Marquês de Pombal, Avenida da Liberdade, Bairro Alto, Lisboa em festa a noite toda...
(fotos de Nuno Pereira)