Wednesday, July 20, 2005

A táctica

"Subject (...) is inclined to be rather absent minded and eccentric, and will start out a door, turn around and come back, go out on the street without his coat or hat and frequently looks up and down the street as if he were watching for someone or did not know for sure where he wanted to go."
[Army surveillance report for Los Alamos scientist Leo Szilard, June 1943]

Uma emboscada. Pelas vozes que chegavam até mim enquanto o elevador descia contei duas, talvez do lado esquerdo, ao lado das caixas de correio. Se fosse suficientemente rápido a alcançar a porta do prédio talvez conseguisse escapar. Não contei com uma terceira, que esperava na rua e que entrou no prédio mal eu abri a porta do elevador. Tinham-me cercado. Ainda levei a mão ao bolso, mas estava desarmado: o telemóvel tinha ficado em casa, não podia simular nenhuma chamada urgente. Fui fuzilado de imediato: a fechadura da porta do corredor do lixo, as campaínhas que não funcionam, a vizinha do primeiro andar que rega as plantas de manhã de propósito àquela hora para que a do terceiro apanhe um banho quando sai do prédio, a lâmpada do corredor... Tudo isto em menos de três minutos. Só havia uma maneira de sair dali... tive de usar a táctica. Olho distraído para um lado, depois para o outro, e de repente... "Desculpe lá, estava a falar de quê? Estava aqui a pensar noutras coisas..." A táctica tem sido usada com diferentes graus de sucesso em várias ocasiões sociais ou simples encontros do dia-a-dia. Só funciona se o alvo souber à partida o que faço, ou tiver a vaga ideia de que sou um cientista. No meu prédio isso foi o mais fácil... basta contar a uma das vizinhas, todas as outras ficaram logo a saber. Depois é só deixar o estereótipo funcionar. "Ai desculpe. Deixe estar, deixe estar, depois quando tiver tempo dê uma olhada nisso..." Ficam a olhar umas para as outras, e é neste raro momento de silêncio que eu aproveito para sair, mantendo um ar vagamente alucinado de quem está a ver equações nas pedras da calçada e nas matrículas dos carros. Obviamente quando se está neste estado, não se consegue ouvir o que dizem à nossa volta... "É cientista, coitado. É tanta coisa na cabeça ao mesmo tempo. Olhe que um filho duma prima minha deu em doido!" Ah pois...

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