Thursday, April 20, 2006

"A matança que ocorreu lá, em Lisboa..."

1506 - 2006
"Vi qe em Lixboa se alçaram
Pouo baixo & villãos
Contra os nouos Christãos
Mais de quatro mil matarã
Dos qe ouuerão nas mãos."


No meio de algumas dezenas de pessoas, mais jornalistas, fotógrafos e um rabi, lá encontrei alguém conhecido. Guardava uma vela dentro de um saco de plástico, era a única que tinha lá em casa. Não havia ainda sítio para a colocar. "Fizeram há pouco a oração, o kaddish. Agora não sei o que se segue..." À minha frente, a objectiva de uma máquina fotográfica aproxima-se de um kippah. A foto vai fazer a capa do Público, no dia seguinte. Estamos no Largo de São Domingos. Há precisamente 500 anos atrás, dois irmãos, judeus convertidos à força, eram arrastados do interior da Igreja para o local onde estamos. O rosto de Cristo iluminara-se subitamente no altar e onde todos julgavam ver um milagre, o judeu explicava apenas ter visto o reflexo de um raio de sol. Aqui o espancaram até à morte, a ele e ao irmão que o acudiu. No Rossio, mais ao lado, queimaram depois os corpos mutilados, mais ou menos no sítio onde décadas depois haveriam de arder as fogueiras da Inquisição. Isto foi apenas o início. Incitada por frades dominicanos, a população dirige-se a seguir à Judiaria, perseguindo todos os "da semente de Israel". O que aconteceu nos 3 dias seguintes, a nossa História preferiu esquecer.

"Hũos delles viuos queimarã
Mininos espedaçarão
Fizerão grandes cruezas
Grandes roubos & vilezas
Em todos quantos acharão.
"

"De entre a multidão surgiram homens armados de espadas e durante três dias mataram quatro mil almas" conta Salomão Ibn Verga, num texto traduzido do original hebraico pelo jornalista Nuno Guerreiro, no seu excelente blog. Foi na Rua da Judiaria, de resto, que li pela primeira vez os testemunhos do massacre. Não fazia a mínima ideia que tal tragédia tinha acontecido. "Eu soube por portas travessas... digamos que percenço ao grupo" conta-me a única pessoa que conheço na praça, que logo a seguir telefona ao filho. "Então, Daniel? Não vens homenagear os teus antepassados?" O Daniel afinal já tinha passado pelo Rossio, mas não tinha encontrado ninguém. Acendem-se agora as primeiras velas, aos pés de uma oliveira. M. tira a sua do saco de plástico. O vento não ajuda muito, mas a vela é larga, não cai facilmente. E lá ficou a arder, apesar do vento, contra o esquecimento.

Thursday, April 06, 2006

Jogo? Qual jogo?

"Eu não compreendo como se possa não ser do Benfica. Não entendo isso racionalmente!"
[António Lobo Antunes, na TSF]

Bebia eu a minha Warsteiner a cerca de onze mil metros de altitude quando, lá em baixo, a pouco menos de mil quilómetros de distância, o Beto pontapeava a atmosfera, oferecendo assim a bola de ressalto ao Eto'o que fez com ela o que toda a gente viu, menos eu. Não vai ser fácil para mim perceber o que aconteceu ao meu clube este ano. Estava na Suécia quando se atrasou no campeonato e foi goleado pela União de Leiria, dizem-me que por 3-1. Estava agora no voo 4544 da Lufthansa, quando foi eliminado da Champions. Não percebo. Nos jogos que vi, o Benfica ia claramente ganhar o campeonato e chegar à final da Champions. Já vi as imagens na televisão, claro (do Leiria não cheguei a ver, para mim esse jogo é um rumor). Mas não é a mesma coisa. As imagens em diferido não me convencem de nada, não vivi o jogo. Entretido a ler o Welt Kompakt, ou melhor, à procura do resultado dos jogos da Champions do dia anterior no meio do Welt Kompakt, nem suspeito que o Simão falha só com Valdés pela frente. Uma pequena turbulência ao sobrevoar Espanha, apenas isso, mas sabia lá eu que era obra do pontapé do Beto. Ao aterrar espreitei pela janela e desconfiei logo que a coisa não tinha corrido bem. Não havia foguetes guardados para a época de fogos a rebentar, não havia carros com bandeiras vermelhas na segunda circular, nada... Já em terra, um telefonema para casa desfez o equívoco. O meu e o da senhora portuguesa que viajava ao meu lado (e que começou a bater palmas mal o avião tocou o chão), julgando o tempo todo que eu era alemão. "Ai é português? Ohhh... podíamos ter conversado durante a viagem!" Às vezes somos poupados a certos sofrimentos...

Wednesday, April 05, 2006

Coisas que nunca pensei ouvir na vida*

"- No one's here yet! You arrived too early in the morning, ja?"

*e isto dito hoje de manhã por um alemão que passava no corredor e me encontrou a olhar para uma porta fechada, no primeiro piso da Haus E, da Ludwig-Maximilians-Universität, em Munique.