Sunday, July 31, 2005

The sea was angry that day, my friends...


[Olhos d'Água / Barranco das Belharucas, fotografia de mar alto hoje ao início da tarde]

Para os que conhecem bem a minha veia de marinheiro, informo que a embarcação a estibordo, não, bombordo... enfim, à direita, não pertence ao ISN. Por razões puramente meteorológicas ganhei fama entre amigos e pescadores de Sagres de conseguir naufragar sozinho qualquer embarcação com o mar completamente tranquilo. Anos depois, e graças a um documentário no canal História (ou Odisseia, já não me lembro), consegui descobrir finalmente o que aconteceu: foi isto. Um dry microburst, uma poderosa rajada de vento convectiva criada por chuva que evapora antes de atingir o solo. Perfeitamente visível, aliás, numa fotografia tirada na altura, onde alguém registou o momento. Reposta a verdade dos acontecimentos, resta-me informar que aquilo que se vê do lado direito em baixo não é um remo, mas sim uma pagaia. E que o pixel lá ao fundo na praia, de calções vermelhos e óculos de sol à Mitch, é o nadador salvador que nos vai tentar comprar o caiaque quando lá chegarmos. Mas não teve grande sorte...

Wednesday, July 20, 2005

A táctica

"Subject (...) is inclined to be rather absent minded and eccentric, and will start out a door, turn around and come back, go out on the street without his coat or hat and frequently looks up and down the street as if he were watching for someone or did not know for sure where he wanted to go."
[Army surveillance report for Los Alamos scientist Leo Szilard, June 1943]

Uma emboscada. Pelas vozes que chegavam até mim enquanto o elevador descia contei duas, talvez do lado esquerdo, ao lado das caixas de correio. Se fosse suficientemente rápido a alcançar a porta do prédio talvez conseguisse escapar. Não contei com uma terceira, que esperava na rua e que entrou no prédio mal eu abri a porta do elevador. Tinham-me cercado. Ainda levei a mão ao bolso, mas estava desarmado: o telemóvel tinha ficado em casa, não podia simular nenhuma chamada urgente. Fui fuzilado de imediato: a fechadura da porta do corredor do lixo, as campaínhas que não funcionam, a vizinha do primeiro andar que rega as plantas de manhã de propósito àquela hora para que a do terceiro apanhe um banho quando sai do prédio, a lâmpada do corredor... Tudo isto em menos de três minutos. Só havia uma maneira de sair dali... tive de usar a táctica. Olho distraído para um lado, depois para o outro, e de repente... "Desculpe lá, estava a falar de quê? Estava aqui a pensar noutras coisas..." A táctica tem sido usada com diferentes graus de sucesso em várias ocasiões sociais ou simples encontros do dia-a-dia. Só funciona se o alvo souber à partida o que faço, ou tiver a vaga ideia de que sou um cientista. No meu prédio isso foi o mais fácil... basta contar a uma das vizinhas, todas as outras ficaram logo a saber. Depois é só deixar o estereótipo funcionar. "Ai desculpe. Deixe estar, deixe estar, depois quando tiver tempo dê uma olhada nisso..." Ficam a olhar umas para as outras, e é neste raro momento de silêncio que eu aproveito para sair, mantendo um ar vagamente alucinado de quem está a ver equações nas pedras da calçada e nas matrículas dos carros. Obviamente quando se está neste estado, não se consegue ouvir o que dizem à nossa volta... "É cientista, coitado. É tanta coisa na cabeça ao mesmo tempo. Olhe que um filho duma prima minha deu em doido!" Ah pois...

Wednesday, July 06, 2005

"- People will think..." (Kane's first wife)
"- What I will tell them to think!" (Citizen Kane)

Estive sem televisão durante um mês, mais ou menos. Cheguei a casa um dia, liguei-a... e nada. Carreguei com mais força nos botões, bati com o comando na mesa, mudei as pilhas... e nada. Peguei então na chave de fendas e abri-a. Não porque achasse que a conseguia arranjar, mas porque sempre preferi o curto-circuito e o remover de algumas peças como meios de tortura mais eficazes do que o tradicional murro na parte de cima do aparelho. A táctica tem dado os seus frutos. Há computadores e micro-ondas que começam subitamente a funcionar, mal eu chego para os arranjar. Não foi o caso da minha televisão, infelizmente. Duas semanas depois lá meti o que restava dela na mala do carro e levei-a para o arranjo. Não vi por isso imagens nenhumas do aconteceu na Praia de Carcavelos. Do "arrastão" li a notícia no Público do dia seguinte e ouvi os relatos de quem tinha visto na TV. Os que tinham chegado de fora para o curso do IGC estavam assustados com as notícias da BBC, que a praia fica ali perto do Instituto. "So what happened here? Were there really five hundred criminals on the beach?"
Afinal... parece que não.



A história do arrastão que nunca existiu é dissecada no blog O céu sobre Lisboa, numa série de posts que merecem ser lidos (começa aqui). Há também um documentário de Diana Andriga, que mostra as imagens dos noticiários que não vi. Uma notícia falsa? Uma cobertura mediática "por arrastamento"? Manipulação de massas? Sim, sim, parece que sim. Nada de anormal, de resto, que nem esclarecimentos nem pedidos de desculpa houve. Eu pelo menos ainda não vi nada, agora que já tenho televisão outra vez...