Wednesday, April 27, 2005

O homem da conspiração

Foi-me tudo explicado por um senhor de fato-macaco castanho que atravessou a estrada de propósito para abastecer o meu carro. Deviam ser quase dez da noite, não estava ali mais ninguém. Um posto de abastecimento deserto, na antiga nacional nº1, mas com as luzes acesas e o som abafado de um rádio, um relato de futebol. Apareceu a correr entre dois camiões, de certeza que nenhum deles o viu. "Oh amigo, então você não leu aqui isto? Ouça... faça marcha-atrás e meta ali naquela bomba, que aquele gasóleo está em promoção." Tive de sair do carro para o ouvir, que ele continuava a falar enquanto me abastecia o carro com o tal gasóleo. Perdi o início da história, mas desconfio que não terá sido por isso que ela me pareceu incompreensível. Nunca tinha percebido a associação entre o posto de gasolina e um extra-terrestre na publicidade... até hoje. "... é como o Mantorras, tá a ver ou não? É como eu lhe digo! Olhe, este gasóleo aqui que lhe estou a pôr nem tem cheiro! Veja lá, veja lá..." Anos e anos de investigação para produzir o gasóleo de sonho de todos os funcionários de postos de combustível: um que não tem cheiro. "Até pode tomar banho nisto, que não fica a cheirar! Eh pá, entrou-me aqui uma castanha para o dente... porra para isto! Quer factura?" Acompanhei-o para dentro da cabine, onde estava o rádio com o relato de futebol, o multibanco e um saco de castanhas assadas, já descascadas e sem cheiro a gasóleo. "Coma lá uma, homem! Não quer? Pois é como eu lhe digo... isto tá tudo feito, tá tudo combinado! Qual apito, qual quê! Não fosse o Mantorras... e a Casa Pia? Eihhh, se você soubesse..." Ali o extra-terrestre era eu, só podia ser. Olhava desconfiado para o rádio que transmitia o relato de um jogo de futebol cujo resultado já estaria combinado, para as castanhas assadas, para o multibanco que só fazia a ligação depois de ter levado dois murros... "Um amigo meu que é camionista às vezes apanha umas coisas no rádio... tá a ver, não tá?" Eu olhava à volta, desconfiado, mas não, não via nada. Vim-me embora sem a factura, com medo de estar a transportar uma mensagem codificada para alguém, sem o saber. O carro anda de facto mais depressa, mas eu não acelerei muito. É melhor não arriscar...

Friday, April 22, 2005

"But the question is this:

What have I been doing? Everybody says to me: "Hey, you don't do the show anymore... What do you do?" I'll tell you what I do: Nothing! Yeah, I know what you're thinking: "That sounds pretty good!". You think: "I might like to do nothing myself!". Well, let me tell you, doing nothing is not as easy as it looks. You have to be careful... Because the idea of doing anything - which could easily lead to doing something... that would cut into your nothing - and that would force me to have to drop everything!" - Jerry Seinfeld, Late Show with David Letterman (2001)

(RinoBlog will be back after these messages...)

Tuesday, April 05, 2005

A placa tactónica

Lisboa, quinto andar de um prédio amarelo. Hora local: 1h20. No corredor que atravessa a casa, mesmo em frente à cozinha, uma equipa de investigação totalmente incapaz de distinguir uma trave de um pilar analisa o fenómeno cuidadosamente. Não existem testemunhas da ocorrência, mas terá sido P. o único a passar o fim-de-semana em casa. Foi ele, aliás, o primeiro a ter contacto com aquilo. "Eu só dei conta ontem à noite. Vinha a correr pelo corredor, porque ouvi golo do Benfica, e devo ter feito a curva mais apertada... Bem, ia-me espalhando na cozinha quando tropecei nisso!" Não são perceptíveis os danos causados pelo embate, até porque a senhora M., que faz a limpeza da casa à segunda-feira, tentou hoje à tarde normalizar a situação, agravando-a irremediavelmente. Na sua forma inicial, a perturbação terá causado uma elevação dos tacos de madeira que pavimentam o chão do corredor até metade da largura deste, seguindo uma linha perpendicular à parede. Era como se o corredor tivesse subitamente ficado mais pequeno do lado direito, e aos tacos de madeira não restasse outra hipótese que não o erguerem-se apoiados uns nos outros, criando uma lomba perfeitamente triangular. Alguns saltos, marteladas e finalmente a remoção indiscriminada de alguns tacos reduziram a perturbação à sua forma actual: um puzzle onde as peças não encaixam. P., debruçada, procura sinais de humidade debaixo dos tacos levantados. A banheira fica do outro lado da parede, diz ela, podem ser infiltrações. Mas não há sinais de humidade. Eu olho para as paredes, procuro rachas, sinais de uma falha estrutural que não faço a mínima ideia que forma teria. Um tremor de terra? "Eh pá, eu acho que senti a cama a tremer na noite de sábado... Se calhar temos aqui uma falha tectónica, ou melhor, "tactónica" no corredor..." Um caso a ser estudado, este da placa tactónica que atravessa o corredor. Ou talvez... Olho agora para a outra parede, desconfiado. Do outro lado, o vizinho, o administrador demissionário. Não me têm passado despercebidos os ruídos estranhos durante a noite, um ocasional martelar durante o dia, as interferências no sinal da tvcabo e as falhas da net wireless. "Mitrokhine!", lembro-me de repente. "Uma série de microfones embutidos na estrutura do edifício pelo serviço de informações do KGB tornavam-no um microfone de oito andares ligado ao Politburo". A Guerra Fria chega finalmente às instalações no futuro Administrador. Já a partir de amanhã, começamos a treinar a nova cifra para conversação codificada aqui em casa...