Tuesday, April 05, 2005
A placa tactónica
Lisboa, quinto andar de um prédio amarelo. Hora local: 1h20. No corredor que atravessa a casa, mesmo em frente à cozinha, uma equipa de investigação totalmente incapaz de distinguir uma trave de um pilar analisa o fenómeno cuidadosamente. Não existem testemunhas da ocorrência, mas terá sido P. o único a passar o fim-de-semana em casa. Foi ele, aliás, o primeiro a ter contacto com aquilo. "Eu só dei conta ontem à noite. Vinha a correr pelo corredor, porque ouvi golo do Benfica, e devo ter feito a curva mais apertada... Bem, ia-me espalhando na cozinha quando tropecei nisso!" Não são perceptíveis os danos causados pelo embate, até porque a senhora M., que faz a limpeza da casa à segunda-feira, tentou hoje à tarde normalizar a situação, agravando-a irremediavelmente. Na sua forma inicial, a perturbação terá causado uma elevação dos tacos de madeira que pavimentam o chão do corredor até metade da largura deste, seguindo uma linha perpendicular à parede. Era como se o corredor tivesse subitamente ficado mais pequeno do lado direito, e aos tacos de madeira não restasse outra hipótese que não o erguerem-se apoiados uns nos outros, criando uma lomba perfeitamente triangular. Alguns saltos, marteladas e finalmente a remoção indiscriminada de alguns tacos reduziram a perturbação à sua forma actual: um puzzle onde as peças não encaixam. P., debruçada, procura sinais de humidade debaixo dos tacos levantados. A banheira fica do outro lado da parede, diz ela, podem ser infiltrações. Mas não há sinais de humidade. Eu olho para as paredes, procuro rachas, sinais de uma falha estrutural que não faço a mínima ideia que forma teria. Um tremor de terra? "Eh pá, eu acho que senti a cama a tremer na noite de sábado... Se calhar temos aqui uma falha tectónica, ou melhor, "tactónica" no corredor..." Um caso a ser estudado, este da placa tactónica que atravessa o corredor. Ou talvez... Olho agora para a outra parede, desconfiado. Do outro lado, o vizinho, o administrador demissionário. Não me têm passado despercebidos os ruídos estranhos durante a noite, um ocasional martelar durante o dia, as interferências no sinal da tvcabo e as falhas da net wireless. "Mitrokhine!", lembro-me de repente. "Uma série de microfones embutidos na estrutura do edifício pelo serviço de informações do KGB tornavam-no um microfone de oito andares ligado ao Politburo". A Guerra Fria chega finalmente às instalações no futuro Administrador. Já a partir de amanhã, começamos a treinar a nova cifra para conversação codificada aqui em casa...
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