Friday, February 11, 2005
Os jogadores
"Isto é como se fosse uma batalha medieval, percebes? Os peões são os teus soldados." Aprende-se a jogar xadrez na mesa do lado, num tabuleiro rodeado de imperiais e tremoços. Três homens de farto bigode. Um deles, o que ensina, está de pé. Com a mão esquerda segura o copo, com a direita aponta para as peças no tabuleiro: "As torres são os castelos, vês aqui os cavaleiros? Tu tens é de cercar o rei do gajo! Quando ele não puder fugir é xeque-mate, percebes?" Diz que sim, que percebeu. Avança um peão, a medo. Um dos cavaleiros está ali mesmo ao lado, imponente na sua armadura que ele imagina prateada. Olha para o rei do adversário enquanto mexe no bigode. Já perdeu os bispos mas isso não lhe parece meter muita confusão. Um bispo não deve ter grande valor num campo de batalha. Um canhão aqui é que dava jeito, estilhaçava logo aquelas torres ao lado do rei, agora um bispo... Vêm mais duas imperiais para a nossa mesa, temos de afastar as folhas com rabiscos de DNAs e de membranas nucleares para haver espaço para os copos. Na televisão, um jogo de futebol em repetição, quase tão antigo como a música que se ouve agora mais alto e que abafa o som do peão enquanto ele é atropelado pelo impiedoso cavaleiro de armadura prateada. "Pronto, já chega de Biologia. Vamos a um snooker?". O dono do bar abana a cabeça, diz-nos que não. Alguém ocupou a nossa mesa lá em cima, hoje não há jogo. Combinamos para a próxima, para depois do exame. Olho para o relógio. Duas da manhã, vamos embora. À saída do bar, empurrando a porta que custa a abrir, ouço ainda o "xeque-mate!" vindo de lá de dentro. Não encontramos ninguém na rua. Alfama está deserta àquela hora...
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