"Um verdadeiro gentleman não deve mostrar emoção, mesmo que perca tudo o que tenha." - Fiodor Dostoievsky, O Jogador
"Estás a suar ou é impressão minha?" Só me responde depois. Primeiro joga e fica a observar, concentrado na bola e no ângulo que fez com a tabela. Deu efeito a mais, foi a minha sorte. A bola branca passa a milímetros da preta, parada ao lado do buraco como se estivesse à beira de um precipício. Um toque bastava para o jogo acabar. "Impressão tua. O giz, onde está?" O giz está aqui à minha frente, mas só respondo algum tempo depois, concentrado na bola e no ângulo que tenho de fazer para a deixar do outro lado. Só tenho alguma hipótese de ganhar este jogo se ele falhar uma segunda vez. "Não queres ir lá abaixo buscar buscar mais duas cervejas?" Ouço-o descer as escadas de madeira em espiral enquanto imagino trajectórias em cima do pano verde. Isto não está com bom aspecto. Lá em baixo, no bar, o Sr. M. sai de trás do balcão e vai buscar dois copos à arca congeladora, onde normalmente estariam os gelados da Olá. Só serve cerveja nestes copos gelados, para a manter fria. Estamos em Alfama, claro. "O teu jogo não está com muito bom aspecto..." A pressão psicológica e a provocação fazem parte do jogo. Há oito anos atrás, sete jovens carregaram uma vespa, uma BWS, uma target e uma scooter com mochilas e partiram rumo à Lousã, rumo a uma casa restaurada numa aldeia isolada no meio da Serra. A aldeia tinha um único habitante, um pintor. A casa tinha um gira-discos, uma rede para dormir e... uma mesa de snooker. Durante dois dias jogou-se o primeiro torneio de snooker entre todos eles. No meio de uma aldeia isolada pela serra, um torneio de snooker torna-se a coisa mais importante do mundo. É a final desse torneio que é repetida quase todas as semanas nesta mesa, em Alfama, oito anos depois. O campeão em título defende o estatuto contra o segundo classificado. A provocação faz parte do jogo... "Tu também não falhavas essas bolas há oito anos atrás." Ele responde qualquer coisa, mas só o vou ouvir daqui a bocado, quando acabar de jogar. Só vejo uma bola e uma tabela à minha frente. Um ângulo complicado. Tem de ser ali, naquele ponto invisível que só eu vejo... é ali que tenho de acertar. Sustenho a respiração, para não alterar o movimento do taco, e jogo. Não é nada fácil manter o ar de gentleman e não mostrar emoção nenhuma centésimas de segundo depois, quando me apercebo que também vou falhar por milímetros...
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