Habemus administratorum
"Eu não falo com esta senhora, a não ser aqui na reunião e só sobre assuntos do prédio. Tem aqui as contas, tome lá, tome!" Para o outro lado da mesa voaram meia dúzia de folhas escritas à mão, a contabilidade de quatro anos feita pelo administrador cessante, o líder da facção A, sentado à minha esquerda. Pela facção B, uma oligarquia feminina sentada à minha direita em frente a uma ruidosa ventoinha, respondia a dona A., empunhando uma garrafa de água: "Nas suas contas não confio eu! Mostre lá a factura do arranjo do elevador, mostre lá!" À minha frente umas quantas procurações, umas mais válidas que outras, de todos os que há muito desistiram da vida militar e confiaram o seu destino nas mãos de uma das facções. "O sr. S. não pôde vir, está muito doente, mas ele disse que eu o podia representar, que ele depois assinava uma procuração." Nada feito. "Nem pensar, nem pensar! Você deve estar é doido! Pode falar por ele, mas sem procuração não pode votar! Nem pensar!". Devia ser mais ou menos este o ambiente que se vivia na final do campeonato de xadrez de 1972, entre Anatoly Karpov e Viktor Korchnoy. Houve de tudo, nessa final, desde os óculos espelhados de Korchnoy que encadeavam o adversário até ao parapsicólogo trazido por Karpov para hipnotizar e perturbar o oponente. Não ia achar nada estranho se no final alguém me dissesse que os estalidos da inútil ventoinha tinham sido propositadamente regulados de forma a provocar a súbita dor de cabeça da dona M., pouco tempo depois do início da reunião. Uma dor de cabeça que iria durar pelo menos três horas e meia. Até começar a minha. "Eu também voto aqui no jovem, como é que se chama mesmo?" Rino, José Rino. O novo administrador do condomínio, eleito com oitenta e tal por cento dos votos no sábado passado...
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