Monday, March 14, 2005

Os vizinhos II

"Olhe, ainda bem que o encontramos. Então quando é que é toma conta disto?" Apanhado de surpresa à saída do elevador, só faltavam os microfones em riste e os focos de luz das câmaras. Uma conferência de imprensa improvisada, a ser transmitida em diferido ao longo da tarde para todos os andares do prédio. Ou quase todos. "Ele não tem estado cá, vizinha. Andou lá por fora, que eu sei..." Nada escapa ao olhar atento dos media, neste caso da dona M. A virança continua, aqui no prédio. Para os vizinhos não é suficiente a queda do Governo, é preciso que caia também a actual Administração do Condomínio. "Isto tem de mudar. O outro tem de sair! Já lá está há muitos anos!" É inevitável. Andar "lá por fora" coloca-me automaticamente em posição elegível, não há fuga possível. "O outro até queria pôr ali uma câmara à entrada, para vermos na TV quem quer entrar, quando nem sequer o intercomunicador funciona, veja lá. Eu nunca consigo ouvir nada!" O povo não perdoa o populismo, sabe que o tempo é de crise, que não há dinheiro para câmaras, nem mesmo para prevenir os assaltos. "Eu deixo entrar toda a gente no prédio! Enquanto não arranjarem aquilo, deixo entrar toda a gente! Tem de ser você a tomar conta disto." Não confirmei nem desmenti, garanti que tudo seria resolvido em altura oportuna e no local próprio. Tentei, enfim, sair dali. "O meu marido disse-me que seria este mês, mas já vamos no dia 15, veja lá isso..." Sorri, acenei com a cabeça, lá consegui sair para a rua. Desconfiado que ainda vou encontrar um cartaz com a minha foto no placard de entrada do prédio, quando regressar hoje ao final da tarde. Mesmo ao lado da mensagem enigmática escrita à mão numa folha de caderno...

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