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- Sim, o do Sexto Sentido. E do Unbreakable, não me lembro do título em português. Mas é o melhor dele. Depois há o Signs, mas desse não quero nem falar. Muito mau.
- E este, será bom?"
Escondida atrás de uma árvore, a heroína do filme (que é cega) aguarda uns segundos. Não muitos, apenas os suficientes para deixar o espectador ansioso, que as regras do género são claras e Shyamalan estudou-as todas. Um dos que anda com uma capa vermelha, "those of whom we do not speak" viu-a. Estava mesmo ali atrás, ainda distante, ela escondeu-se. Adivinha-se o confronto, que ela não tem hipótese de fuga. Vira-se lentamente para a direita e estica a cabeça, parece espreitar, embora seja incapaz de ver seja o que for. Devia antes inclinar a cabeça para nós, aproximar o ouvido direito e não os olhos. Mas isso iria desviar o olhar do espectador para os olhos dela, não para o local para onde parece olhar e onde vai inevitavelmente aparecer o da capa vermelha. As regras são muito claras. Lá está ele. De costas, voltado para a esquerda, por motivo nenhum que não seja mostrar o que de mais assustador tem a personagem. Uns espinhos nas costas. Depois do grito, ou então do som de orquestra exagerado, ou dos dois (aqui as regras são claras, mas flexíveis) começa a perseguição. Nas séries B e nos filmes mesmo maus aparecem os dois, o perseguido e o que persegue, mas nos bons só aparece a vítima. O pior medo é aquele que se adivinha, não o que se vê, estudou Shyamalan. A perseguição lembra-me Blair Witch Project. Filmar de frente a personagem em vez de filmar o que ela vê não foi o suficiente para me evitar esta recordação. Cega, mas correndo mais depressa que o da capa vermelha, ela encontra um troco caído de uma árvore e recorda aquele sítio onde já esteve. "Eh pá, Nuno, se ela vai ficar ali à espera dele, de braços abertos, para depois se desviar no último momento e ele cair naquele buraco, eu desisto de tentar encontrar algo de bom. Isto é mesmo mau". Pois é.
Mas eu percebi. Percebi tudo. A parábola da aldeia isolada, cercada pelo seu próprio medo. Medo de uma ameaça que não existe mas que é a sua salvação, porque os mantém afastados do Mal. Isolados do exterior, inocentes e puros. E bons. O maniqueísmo de uma América que se quer inocente outra vez. O 11 de Setembro, pois claro. Mas também a renúncia à civilização e ao progresso, o retorno às origens, a um mundo mais espiritual, que desgraça maior não há que a nossa ciência e materialismo que nos afastam do paraíso perdido. Eu percebi. E se esta parábola me irrita e a mensagem que transmite me provoque repulsa, não é por isso que eu não gosto do filme, que podia só não concordar com ele. O que eu não gostei, mesmo nada, foi da lentidão da fala e dos movimentos dos aldeões, do ar ridiculamente solene de todas as personagens, do enfastiante pormenor de, em todas as cenas a partir do meio do filme, a heroína acabar a chorar (todas, sem falha, a partir da declaração de amor feita no alpendre). E se isto não parece mau, é porque não é realmente o pior no filme. Mas é o que está lá para nos iludir a todos, para nos fazer crer que tudo aquilo é muito profundo.
"-E então, o filme era bom?
- Dos piores que vi este ano.
- A sério?
- Bom, já vi piores. Mas esses ao menos eram genuinamente maus. Este não. Este quer que o levemos a sério..."
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