Wednesday, September 29, 2004

The Village

"Bridge-in-the-Valley. Stupid name. (...) My wager is the willeins in this settlement don't call it by that name at all. My wager is they call their place 'The Willage', as do all the other dull-wits in their dull-wit settlements along the track. 'Why, life be good here in the Willage, be it not old girl?' 'Aye, may it be, but it is better in a place up north they call the Willage, where my mother has her people.' 'Well, the Willage is a good place if you're wanting oxen, but if you want pigs you're better going to the Willage'." - Alan Moore, The Voice of the Fire (The Cremation Fields tale, 2500BC)

"- Shyamalan?
- Sim, o do Sexto Sentido. E do Unbreakable, não me lembro do título em português. Mas é o melhor dele. Depois há o Signs, mas desse não quero nem falar. Muito mau.
- E este, será bom?"

Escondida atrás de uma árvore, a heroína do filme (que é cega) aguarda uns segundos. Não muitos, apenas os suficientes para deixar o espectador ansioso, que as regras do género são claras e Shyamalan estudou-as todas. Um dos que anda com uma capa vermelha, "those of whom we do not speak" viu-a. Estava mesmo ali atrás, ainda distante, ela escondeu-se. Adivinha-se o confronto, que ela não tem hipótese de fuga. Vira-se lentamente para a direita e estica a cabeça, parece espreitar, embora seja incapaz de ver seja o que for. Devia antes inclinar a cabeça para nós, aproximar o ouvido direito e não os olhos. Mas isso iria desviar o olhar do espectador para os olhos dela, não para o local para onde parece olhar e onde vai inevitavelmente aparecer o da capa vermelha. As regras são muito claras. Lá está ele. De costas, voltado para a esquerda, por motivo nenhum que não seja mostrar o que de mais assustador tem a personagem. Uns espinhos nas costas. Depois do grito, ou então do som de orquestra exagerado, ou dos dois (aqui as regras são claras, mas flexíveis) começa a perseguição. Nas séries B e nos filmes mesmo maus aparecem os dois, o perseguido e o que persegue, mas nos bons só aparece a vítima. O pior medo é aquele que se adivinha, não o que se vê, estudou Shyamalan. A perseguição lembra-me Blair Witch Project. Filmar de frente a personagem em vez de filmar o que ela vê não foi o suficiente para me evitar esta recordação. Cega, mas correndo mais depressa que o da capa vermelha, ela encontra um troco caído de uma árvore e recorda aquele sítio onde já esteve. "Eh pá, Nuno, se ela vai ficar ali à espera dele, de braços abertos, para depois se desviar no último momento e ele cair naquele buraco, eu desisto de tentar encontrar algo de bom. Isto é mesmo mau". Pois é.

Mas eu percebi. Percebi tudo. A parábola da aldeia isolada, cercada pelo seu próprio medo. Medo de uma ameaça que não existe mas que é a sua salvação, porque os mantém afastados do Mal. Isolados do exterior, inocentes e puros. E bons. O maniqueísmo de uma América que se quer inocente outra vez. O 11 de Setembro, pois claro. Mas também a renúncia à civilização e ao progresso, o retorno às origens, a um mundo mais espiritual, que desgraça maior não há que a nossa ciência e materialismo que nos afastam do paraíso perdido. Eu percebi. E se esta parábola me irrita e a mensagem que transmite me provoque repulsa, não é por isso que eu não gosto do filme, que podia só não concordar com ele. O que eu não gostei, mesmo nada, foi da lentidão da fala e dos movimentos dos aldeões, do ar ridiculamente solene de todas as personagens, do enfastiante pormenor de, em todas as cenas a partir do meio do filme, a heroína acabar a chorar (todas, sem falha, a partir da declaração de amor feita no alpendre). E se isto não parece mau, é porque não é realmente o pior no filme. Mas é o que está lá para nos iludir a todos, para nos fazer crer que tudo aquilo é muito profundo.

"-E então, o filme era bom?
- Dos piores que vi este ano.
- A sério?
- Bom, já vi piores. Mas esses ao menos eram genuinamente maus. Este não. Este quer que o levemos a sério..."

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