Thursday, October 07, 2004



Um erro tipográfico. Dois. Consoantes trocadas, é preciso um olho treinado para as encontrar. A maior parte das vezes passam despercebidos estes erros, que as palavras são lidas como um todo, e não letra a letra. Mas estes estão muito próximos, não fazem sentido. Não nesta frase, de qualquer maneira. Esta parte necessitava de ponderação, devia ter sido relida mais do que uma vez. Impossível, alguém escrever isto e não reparar num dos erros. Impossível. A não ser, é claro, que ninguém o tenha escrito. Mais um documento falso. Estão a ficar cada vez mais difíceis de identificar. Lá fora recomeça a nevar, é a quinta vez desde Julho. Mais dois dias e tinha ganho qualquer coisa, mas assim não. Tão cedo não volto a jogar no tempo. Li no outro dia que no início do século passado ainda se conseguia prever o tempo e que tudo mudou por causa da poluição. Parvoíce. Essa história deve ser inventada, como as outras. O tempo sempre foi assim, imprevisível como a lotaria. Vi uma vez um jornal, num e-museu. Lá estava, na última folha, a previsão do tempo. Mesmo ao lado das previsões astrológicas para a mesma semana. Não, a mim não me enganam. Tento outra vez. A um breve olhar para o símbolo de procura, surgem mais uns milhares de documentos. Tudo o que foi escrito, tudo o que foi filmado, documentado, tudo o que foi criado está ali. Tudo. Já não se chama web ou net. Mas a publicidade continua lá. "Conheça a sua vida anterior". Pois. A nova moda. Por um preço módico descobrem o que eu andava a fazer há mais de cem anos. Basta um cartão de crédito e acesso ao meu e-life-log para descobrirem uma encarnação minha, algures no século passado. Há sempre um e-life-log suficientemente idêntico ao nosso, excepto claro, o facto de só existir na sua versão primordial: um blog. Tudo automatizado, claro, tudo feito por um programa de computador. Como a maior parte dos documentos que tenho diante de mim. Todos falsos, ou quase. É difícil descobrir os autênticos. No início, ainda era fácil, eram os que tinham erros. Um computador não gerava textos com erros. Mas foi uma questão de tempo até isso ser corrigido. E o que começou como uma brincadeira, tornou-se uma epidemia séria. Poucos conseguem distinguir como eu o que é verdadeiro ou não. Acreditam em tudo, ou pior ainda, em nada. Ninguém sabe o que vai acontecer quando a distinção já não for possível. Escrevo isto e percebo que não faltará muito para que seja também ignorado, porque julgado falso. Volto atrás e altero algumas coisas, deixo erros propositados, espero que subtis o suficiente para que se possa perceber que foram obra de alguém, e não programados. Lá fora há um alerta de ciclone... do andar de cima, ouço o idiota do vizinho a gritar de satisfação. Há sempre os sortudos...

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