"Through the weightless throng, and the ghosts that had received proper burial, he came to Persephone, and the lord of the shadows, he who rules the joyless kingdom. Then striking the lyre-strings to accompany his words, he sang..."
[Ovídeo, Metamorphosis, livro X:1-85, Orpheus e Eurydice]
Entro sozinho. Não são muitas e não as distingo a todas, no meio do fumo e da pouca luz, mas sei que não conheço nenhuma daquelas personagens. Tanto me faz, ainda é cedo. Encosto-me a um canto, bebo calmamente a minha cerveja. Debaixo da bola de espelhos dança uma rapariga de olhos fechados, é-lhe indiferente que seja a única a estar ali. Não se vai afastar daquele sítio, dança como se estivesse rodeada de pessoas que não estão lá. Ainda. Ao meu lado, sentados debaixo do cartaz dos Xutos, dois vultos olham distraidamente para o casal sentado ao balcão. Ele bebe vodka, ela tira discretamente um cigarro e fica à espera, olha agora para as mãos dele. Afasto-me para o lado para deixar passar um dos que têm a t-shirt negra que diz staff, veio buscar umas garrafas ali abandonadas. Atrás dele aparece a rapariga que estava ao balcão, irritada com o cigarro que não foi aceso. Passa ao lado da cabine do dj, vai voltar pouco depois. Um dos vultos no sofá abana a cabeça, o outro sorri. Já conhecem os dois aquela história...
Aquele, portanto, só pode ser Hades. Gordo, rodeado de aparelhos de ginástica e halteres. O inferno, nesta versão da ópera de Offenbach, é um health club. Cantam em italiano, mas nem a italiana ao meu lado percebe o que dizem, julga que ouve francês. As legendas que são projectadas por cima do palco também não me servem de nada, estão em alemão. Tal como o guia que me deram à entrada da Opernhaus, em Mannheim. Tanto faz. "Orpheus in der Unterwelt". Orfeu e Eurídice. Já conheço a história...
"- Tou?
- Onde é que tu estás pá?
- Tóquio. Vim logo para aqui.
- Eh pá, nós viemos para o Mahjong. Como é que isso está?
- Quase vazio. Bom som, mas vazio.
- Eh pá, vem cá ter! Mas o que é que tens estado aí a fazer?"
"- Did you like it?
- Uhmm, yeah.
- Even if you didn't understand the language?
- Well, I knew the story, more or less. So I was inventing the dialogs and trying to make sense of it all.
- And did it work?
- No. There was always something happening that would destroy my story. That didn't make sense.
- But you still liked it.
- Well, yeah. Because then I had to find another story. I had to imagine everything. It's like a puzzle, you see..."
No comments:
Post a Comment