"
Então este fim de semana vai lá acima à terra?" Vou pois, que o café não é para mim. Levo-o num saco de papel, ainda em grão. Um quilo, que a balança antiga do sr. Salvador assegura ter mais cem gramas que o devido. Afinal de contas, já sou um cliente da casa. "
Boas tardes! Então ainda não vieram buscar os sacos com as nozes?", mete conversa uma velhinha que entra sem eu dar conta, de chapéu na cabeça e carrinho de mercearia atrás. "
Oh, ainda aqui estão e vão estar muito tempo!" responde-lhe outro cliente ainda mais velho que ela, sentado em cima de um dos sacos. Mais do que uma casa de chás e cafés, a loja do sr. Salvador é um local de encontro, um refúgio dos tempos modernos que invadiram a Lisboa destas pessoas. Dentro daquele espaço que cheira a anis, café, ervas aromáticas e bolachas em pacote o tempo parou, não acompanhou o que se passou lá fora na rua. Os preços estão todos escritos à mão, o nome da loja desenhado a giz num quadro. Cada cliente é atendido no tempo que dura a conversa, um de cada vez. Um mundo que já não existe. "
Olhe, isto hoje está complicado é para os jovens!" atira-me de rompante a velhinha. "
Estão tramados vocês, que as raparigas hoje não são o que eram no meu tempo!" Encolhe os ombros o sr. Salvador, abanando a cabeça ao mesmo tempo "
não lhe ligue, não lhe ligue...". A resposta não tarda: "
Ó senhor Salvador, olhe que já enterrei seis maridos!" Seis, faz-me ela sinal com os dedos, a mão esquerda aberta, o indicador esticado sem deixar de agarrar a bengala "
...e você ainda vai ser o sétimo!" O que está sentado em cima das nozes ri-se, diz-me que sim com a cabeça, que é tudo verdade. Entra a correr uma rapariga, nota-se que não é de cá, pergunta com um sotaque francês se há multibanco. Ficam todos a olhar para ela, de onde virá a criatura, que quererá ela? Multibanco? Sou eu quem responde que "não, aqui não há multibanco". Vai-se embora, o sr. Salvador ainda fica a olhar desconfiado para a porta. "
Isto o tempo está bom é para plantar favas!", recomeça o das nozes...