Sunday, January 29, 2006

now the snow has covered everything.

"Então pois lembro! Andava toda a gente muito admirada, os que não eram da neve. Eu não, eu já conhecia o que aquilo era. É que eu sou da terra da neve, sabe, eu nasci em Pinhel e estava habituado a andar descalço na neve e tudo. Mas aqui em Lisboa andava toda a gente na rua, muito admir..." O ruído aumenta, perde-se o sinal e a história do senhor que se lembrava de ter nevado em Lisboa há 52 anos atrás. Nunca foi fácil apanhar rádio na zona de Rio Maior. Acelero um bocado para me aproximar do carro da frente, enquanto procuro uma outra estação. O carro derrapa um bocado, depois equilibra-se, continua agora em frente. Acende-se uma luz no painel de instrumentos, é a estrada que está cheia de gelo. Um flash no espelho distrai-me, acabei de ser fotografado. Não é por excesso de velocidade, de certeza. Circulamos a vinte quilómetros por hora, todos. Uma longa fila que se estende pela antiga "estrada nacional", hoje IC2. A auto-estrada do Norte cortada, a do Atlântico também, aquele é o único caminho para Lisboa, não há fuga possível. Outro flash. No carro atrás de mim tiram-se fotografias. À estrada, à neve, às vinhas cobertas de branco, às mesmas árvores que no Verão ardiam e que agora ficam escondidas, até às casas dispersas à beira da estrada, lado a lado com sucatas e lixeiras várias. Tudo ocultado pela neve. Somos todos turistas num país nórdico estranhamente familiar, hoje. Regressa o sinal da TSF. "Vamos agora falar com este outro senhor... como foi, antigamente, lembra-se?" Perfeitamente, irei eu responder um dia. Foi em Janeiro, demorei quase três horas a chegar a Lisboa. Pelo caminho pensei numa casa de praia que sempre me fascinou desde pequeno, construída ali na marginal da Praia do Pedrogão. Um telhado enorme, com telhas muito escuras, parecia um V virado ao contrário, uma chaminé a deixar adivinhar uma lareira gigantesca. Uma casa arrancada dos Alpes e colocada ali, no meio das outras, para ser troçada e olhada de lado desde que me lembro de lá ir. "Para que serve aquilo ali? Até parece que neva na praia!". Nevou hoje. Devia lá ter ido, era a única fotografia que queria realmente ter tirado. Quase que aposto que a lareira esteve orgulhosamente acesa, o telhado inclinado coberto de neve, finalmente a cumprir o seu fim. A persistência é sempre recompensada, um dia...

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