Friday, March 31, 2006
O refém
Anda tudo muito calmo, lá no meu prédio. De início julguei que era bom sinal, que tinha finalmente chegado o tempo de conversações de paz. Até a ETA já renunciou à luta armada, pensei, já era tempo de os meus vizinhos fazerem o mesmo. Enganei-me redondamente. Não se vivem momentos de calma, mas sim de impasse. A situação é tensa e pode explodir a qualquer momento. Tudo por causa de um refém, cuja existência me foi revelada pela ala política da facção A (a ala militar vive mesmo por cima, barricada no único andar que não tem luz de elevador, obviamente para não perturbar a vigilância permanente do patamar). "Está aqui, está aqui, venha ver. Já aqui está há duas semanas!" Lá estava ele. Lavado, bem tratado, todo dobrado em cima de um baú. "De quem é este tapete?", pergunto eu. "De quem acha que é? Caiu de lá de cima há duas semanas, mesmo em cima da minha roupa, acha que o vêm cá buscar?" Dei por mim a engolir em seco. O último tapete-refém capturado à facção B provocou uma espiral de vinganças que acabou no alegado ataque cardíaco de um dos beligerantes. O caso é sério. Perguntei se havia conversações... "Já disse à senhora que faz limpezas aqui à vizinha da frente e que também vai lá acima, para dizer ao outro que tenho aqui o tapete! Agora ele tem de vir cá e tem de pedir desculpa, eu não vou lá acima!" Há negociações, portanto, mas estão num impasse. Está explicado o silêncio que se vive no prédio. Entrego-lhes a carta do seguro, o motivo da minha deslocação três pisos abaixo, e venho-me embora. É sem grande surpresa que reparo no tapete de entrada deles, colocado do lado de dentro do apartamento...
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vizinhos
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