- Adjö
Behrouz é o nosso guia. Diz que sabe perfeitamente onde estão os melhores bares em Södermalm, a parte sul de Estocolmo. É isso, aliás, que pergunta à primeira sueca que encontra na passadeira, à saída da pousada. Ela sorri, desvia-se do seu caminho e leva-nos até Götgatan, puxando o nosso "guia" pelo braço cada vez que ele se aproxima mais da estrada. Os carros não fazem barulho, com a neve, e o vinho português é talvez demasiado forte para um iraniano de 24 anos pouco habituado a beber. Behrouz deixou o negócio de móveis da família em Teerão, emigrou para a Suécia, casou com uma rapariga de olhos azuis e cabelo pintado de vermelho. Na carteira guarda uma fotografia da filha de oito meses, ao lado de um papel com uma morada errada. "Muy preciosa", disse-lhe Rodrigo, um espanhol que não tinha quarto na pousada mas que se lembrava do código de entrada da porta, 7511. Rodrigo não nos quis acompanhar, tinha de apanhar um barco daí a uma hora. Trinta e oito horas depois, já em Londres, o homem que não levou roupa para a viagem porque ia estar tudo em saldos acabaria por seguir o conselho que o espanhol lhe deu, e visitar mais uma loja em Picadilly Circus, de onde sairia com umas dezenas de libras a menos. Mas adianto-me. Götgatan começa agora a ficar um bocado mais inclinada, com o gelo torna-se complicado subir. Não circulam carros nesta rua, mas Behrouz não abdica da sua convicção em ser atropelado. A sueca tem de o desviar de um grupo animado que escorrega rua abaixo em cima de páginas arrancadas a uma lista telefónica abandonada. Estamos no caminho certo, portanto. Estão 15 graus negativos na rua. Behrouz tira o casaco, diz que não tem frio. O vinho aquece-o. Já não vê a filha há algum tempo. Por decisão de um tribunal sueco, só pode estar com ela de dois em dois meses, dois dias seguidos, duas horas por dia. Era para a ter encontrado hoje, mas a ex-mulher não apareceu. Guarda na carteira um papel com a morada errada, no outro bolso o telemóvel que há-de despedaçar contra o chão no dia seguinte, quando der pelo erro. Sentado na recepção da pousada, duas horas antes, partilha connosco a sua história, contada em sueco ao homem que viveu um ano em Hudiksvall e num inglês muito limitado a mim. "This!" (com os dedos a agarrar o cabelo penteado para trás) "Dark hair, Iran. Not Europe. You fine. You Europe. Me? Not Europe. So, no baby..." Fomos buscar uma garrafa de vinho à mala. Portugal é o nome que dão às laranjas no Irão. Behrouz lê os nossos nomes e moradas com dificuldade, está habituado a ler ao contrário, da direita para a esquerda. Fala árabe, curdo, turco, persa e sueco. Tem uma pizzaria em Piteå, 700 km a norte de Estocolmo. Deixámo-lo no bar onde a sueca nos levou, a jogar blackjack, e fomos ainda para Gamla Stan. Quando o voltámos a encontrar no dia seguinte, tinha gasto 3000 coroas num telemóvel novo e em presentes para a filha. Ajudou-nos a levar as malas para o metro. Estava "tutto bêim!", repetia contente...
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