"Entrem... entrem... perguntem tudo o que quiserem!"
A fita ainda estava a rodar, enrolava-se em cima de um prato redondo, maior do que eu imaginava. O processo deve ser delicado, que o nosso anfitrião não tirava os olhos dela. Mas fazia-nos sinal com o braço, tinha-nos visto pelo canto do olho...
"Podem entrar... estejam à vontade!"
Não é muito grande, a cabine de projecção da sala 3 do King. O espaço é quase todo ocupado por dois projectores enormes, mais um sistema de pratos onde a fita acaba agora de se enrolar. Lá dentro sente-se o calor das lâmpadas de projecção. Temos de baixar a cabeça enquanto andamos, para evitar as condutas de ar que as arrefecem.
"Estas lâmpadas são de um gás chamado Xenon. Temos de ter muito cuidado com elas, porque o gás provoca cegueira. Contaram-me que uma vez no São Jorge um colega ficou cego com uma que explodiu. Ouviu-se no edifício inteiro, a explosão..."
Não deverá existir castigo pior, para um projeccionista, do que ficar cego. V. olha com respeito para a máquina com que trabalha horas a fio. Conhece-lhe todos os truques, explica-nos com orgulho indisfarçado como tudo funciona. Conta-nos tudo o que fez na última hora e meia para que nós, lá em baixo, do outro lado daquela pequena janela de vidro, pudéssemos estar num outro mundo, sonhar com a ilusão das imagens...
"Trabalho dia sim, dia não. O ano todo. É um trabalho muito duro, mas..."
... mas é uma paixão, também. É preciso gostar muito de cinema para passar ali o dia todo.
Sempre gostei do King. Pelos filmes que só ali passam, pela ausência de pipocas e de conversas durante o filme. Por ser no fundo, um dos poucos locais onde se vê realmente cinema. E onde se gosta de cinema.
"Este projector aqui só passa filmes alemães. Tivemos de o comprar de propósito, porque a fita alemã tem 16 mm, é diferente das outras..."
Assim vale a pena.
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