Thursday, December 30, 2004

Há oito anos atrás, sete jovens carregaram uma vespa, uma BWS, uma target e uma scooter com mochilas e partiram rumo à  Lousã, rumo a uma casa restaurada numa aldeia isolada no meio da Serra. A aldeia tinha um único habitante, um pintor. A casa tinha um gira-discos, uma rede para dormir e... uma mesa de snooker.


Oito anos depois, três deles regressam à casa, com mantimentos e lenha suficiente para aguentar três dias. Acompanham-nos um número ainda indeterminado de pessoas, com garrafas de champanhe e de vodka, convencidas que ali se vai celebrar o iní­cio do novo ano. Puro engano. Naquele sí­tio o tempo nunca passa. Não há telemóveis, não há carros, a televisão só consegue apanhar dois canais, mas muito mal. Desconfio que também os relógios se confundem com o ar da Serra. Talvez seja possí­vel ver o fogo de artifí­cio de aldeias vizinhas, mas nem isso é certo. Sabemos apenas que hoje à noite, quando subirmos a Serra, será ainda dois mil e quatro. Que o Sol irá desaparecer do lado direito da casa e nascer do lado esquerdo, e que nós estaremos lá, em silêncio, a apreciar. E que ao fim do terceiro dia, quando finalmente descermos a Serra, será dois mil e cinco. E que se alguma coisa tiver mudado, terá sido dentro de nós seguramente, e por decisão nossa. Porque tudo o resto irá permanecer igual. Sempre assim foi. Principalmente ali...

Wednesday, December 29, 2004

Conversa de Oficina

(durante a inspecção ao meu carro)

"- Ligue os médios... Agora os máximos... Farol de nevoeiro... Buzine.
(o telemóvel começa a tocar)
- Saia agora do carro, se faz favor...
(aproveito para atender o telemóvel)
- Estou? Não... estou na inspecção com o carro. Mas vou para o laboratório a seguir...
(desligo)
- O senhor desculpe se for indiscrição, mas faz o quê?
- Uhmm... Sou (engulo em seco) cientista.
(pausa)
- Cientista?
- Sim. (já arrependido e com uma estranha sensação de deja vu)
- E estuda dinossauros? Sabe que ainda há muitos dinossauros em Portugal!
(o carro treme com o teste à suspensão... não lhe percebo bem a voz)
- Dinossauros?
- Sim! Olhe, o Mário Soares, por exemplo! Você podia estudar o Mário Soares, esse é que é um dinossauro!
(ri-se bastante... com o carro a tremer o efeito é engraçado...)
- E sabe a tabela dos químicos? A tabela peri... a... aquela coisa dos químicos?
- A tabela periódica?
- Sim, isso! Sei-a toda de cor! Toda! Aprendi-a quando queria ir para a Judiciária.
(sai do carro e entro eu... avanço para o teste aos travões, enquanto ele desce umas escadas e fica debaixo do carro)
- Rode o volante, rode! E bombas, sabe fazer bombas?
- Bombas?
- Sim! Por exemplo, uma bomba atómica, você sabe fazer uma bomba atómica?
(não o ouço com o barulho do carro a ser agitado)
- Uma bomba quê?
- ATÓMICA! UMA BOMBA ATÓMICA!
(consigo sentir todo o pessoal da oficina a olhar para mim)
- Uhmm... Sim, claro! Mas é difícil arranjar urânio enriquecido, ou plutónio...
- MAS CONSEGUIA?
- Sim, sim... Claro que sim!
(sai debaixo do carro com a lanterna ainda acesa)
- Olhe, andei à procura de qualquer coisa para chumbar o carro, e consegui!
- Conseguiu?
- Sim, vai ter de cá voltar... mas só para o ano!
(ri-se bastante e pisca-me o olho)
- Vá ali buscar o papel à recepção...

Sunday, December 19, 2004

"- Quer ir aqui pela direita? Ou viramos à esquerda?
- Boa pergunta... Isto das bifurcações... Direita, olhe, desça a rua aí à direita.
- É que isto hoje está um caos, sabe...
- Pois, já reparei..."



Quatro táxis. Quatro noites. Uma cidade. Como o filme de Jim Jarmusch, mas em versão distorcida. Cheguei a casa com a sensação de ter sido múltiplos, já o sol tinha nascido sem termos dado conta. Tento juntar todas as imagens, todas as memórias da noite, mas a tarefa é quase impossível àquela hora. Confunde-me ainda a sequência. Recordo um cartaz amarelo, Libertà e Paura; traços brancos na auto-estrada; uns anjos de cartolina pendurados do tecto e um túnel verde; uma mala que desapareceu, uma esquadra de polícia; e as nuvens sobre o Tejo, num taxi em grande velocidade a caminho da Feira da Ladra...

"- Para onde vai?
- Siga, siga... por enquanto é por aí... já lhe digo quando for para virar.
- Mas sabe para onde quer ir?
- Perfeitamente."

Wednesday, December 15, 2004



A contagem decrescente começou. O Colectivo remodela o site oficial, distribui cartazes e anota os discos pedidos. Vai ser bonito, vai...

Tuesday, December 14, 2004

"En todas las ficciones, cada vez que um hombre se enfrenta com diversas alternativas, opta por una y elimina las otras; en la del casi inextricable Ts'ui Pen, opta - simultáneamente - por todas. Crea, así, diversos porvenires, diversos tiempos, que también proliferan y se bifurcan". Jorge Luis Borges, El jardín de senderos que se bifurcan (1941)

Aguardo agora, concentrado, depois de resumir tudo a duas alternativas que examino com cuidado. A bifurcação ocorre no tempo, não no espaço. Resta-me esperar. Dizem-me que a terra tremeu um dia destes. Não dei por nada. Se é verdade que tudo isto é um enorme labirinto, a única solução seria escolher sempre o mesmo caminho. Virar sempre para o mesmo sítio. Suspeito que não existe labirinto nenhum. Que o labirinto não é mais que uma ideia, uma esperança. Uma alternativa ao caos, no qual estaríamos sempre perdidos. Um labirinto, pelo contrário, terá sempre uma saída. E bifurcações. Dir-me-ão que será impossível, que não se podem percorrer dois caminhos ao mesmo tempo. Não estão a pensar correctamente, irei responder... estão apenas a ser lógicos. Quando chegar a bifurcação, serei dois. Nada disto será verdade, correcto, mas isto é o que será recordado depois. Haverá quem se aperceba que algo está errado durante o processo, talvez me veja desfocado, como a personagem do filme de Woody Allen. Com o tempo, essa sensação desaparecerá, que a memória é enganadora e flexível, não se compromete com falhas lógicas. Aguardo ainda, concentrado. Estranha esta bifurcação, que me parece tão familiar...

Monday, December 06, 2004

Colectivo on tour, acto III



O Colectivo de Dijais Não Basta Sermos Bonitos Temos de Ser Duros vai regressar EM GRANDE ao palco da estreia, o Purex Club, no Bairro Alto (entre o Suave e o Mahjong, quando se vai por baixo), já no próximo dia 18 de Dezembro. Já correm boatos da gravação da primeira maquete, já se ouvem reacções duras (não muito bonitas, mas ainda assim duras) ao obrigatório spam (mas do bom!) do dijai Schmichael e há até promessas de substituição dos aviões da Kadoc pelos da tour Em Grande... Isto promete!
Mais informações, como sempre, no site oficioso do evento.

Friday, December 03, 2004

Lacuna: Noun. A blank, a missing portion, especially in a manuscript.

"MIERZWIAK - Ah, Mr. Barish. This is Stan. He'll be in charge of your procedure tonight.
Stan nods professionally.
STAN - Mr. Barish.
JOEL - How exactly is this going to work tonight?
As Mierzwiak talks, the room colors start to fade, Mierzwiak's tone of voice is also affected; it becomes dry and monotonous.
MIERZWIAK - We'll start with your most recent memories and go backwards -- There is an emotional core to each of our memories -- As we eradicate this core, it starts its degradation process -- By the time you wake up in the morning, all memories we've targeted will have withered and disappeared. Like a dream upon waking." - Eternal Sunshine of The Spotless Mind script

O RinoBlog acordou hoje com um visual novo: desprovido de banner, background e fotografias (salvam-se apenas as que estão guardadas no photobucket). Uma cortesia do melhor ISP do ano, que desgraçadamente é o meu. É provável que o email também mude ali no canto superior direito, juntamente com o modem lá de casa, se este estado de coisas continuar. Isto é um aviso, meus senhores...

Wednesday, December 01, 2004

"In bove of I is many sky-beasts, big and grey. Slow is they move, as they is with no strong in they. May that they want for food, as I want a-like. One of they is that empty in he's belly now, he's head it is come off and float a-way, and he is run more quick a-hind, as wants to catch of it." - Alan Moore, The Voice of the Fire (Hob's Hog tale, 4000BC)



Pois eu, hoje, acordei assim. Com o pôr do sol. Cheio de fome, cheio de razão e com uma dor de cabeça decente, como (quase) toda a gente de boa vontade. Com a sensação de que apenas o cérebro primitivo está a funcionar. Da janela da cozinha admiro o céu de fim de tarde, enquanto tomo o pequeno almoço. Movem-se lentas, as nuvens, dir-se-ia que sem grande convicção. Afastam-se. Impossível adivinhar a que distância estão de mim. Uma nuvem tem sempre o mesmo aspecto, seja qual for a distância a que é vista. Enganadora, essa coerência, que nos obriga a imaginar tudo o resto. A ver o que queremos, cheios de razão, quando tudo o que lá está não é mais que uma nuvem...